quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Menos viciante, isso sim

Tirando a actualidade que um thriller em torno de um caso de doenças calamitosas transmitidas por parasitas tem, não há realmente razão para que este livro tenha direito a uma tradução no nosso país.
Até porque se a história começa por ter uma base científica, esse contexto vai-se desvanecendo à medida que o livro se torna numa enorme "sequência de acção".
Embora a acção permita a Nick Louth escrever algumas interessantes passagens sobre a cidade de Amesterdão, não lhe permite muito mais.
Desenvolvimento de personagens é inexistente, a menos que se considere que transformar um artista num herói de acção no decorrer de um único capítulo - e para assim continuar o resto do livro - se assemelha a tal.
Um herói de acção ao nível de John McClane: esmurrado, mordido por cães, tratado com todo os graus de violência e logo cerra os dentes ou dorme oito horas e está pronto para outra.
O livro torna-se ridículo a partir do momento que o namorado da cientista que ia fazer uma revelação extraordinária sobre o combate à Malária se lança na pista do seu desaparecimento.
Sendo que o livro tem de ir em crescendo de intensidade (seja lá o que for que isso queira dizer neste caso...) até ao final, a coisa torna-se mais absurda com o envolvimento das melhores equipas tácticas de combate do mundo.
Verdade seja dita que há interrupções ao inclemente jorrar de cenas de acção: os excertos de um velho diário da cientista desaparecida.
São relatos da sua passagem por África onde tentou ajudar a combater a doença e onde descobriu a fealdade dos comportamentos que muitos por lá se sentem no direito de ter, das guerrilhas locais às empresas farmacêuticas internacionais.
Os excertos são vívidos e bastante incisivos, com descrições de crueldade quer psicológica quer física.
Nesses breves momentos Louth dá mostras de algum talento como escritor, muito embora a pausa de diálogos sofríveis e de detalhadas descrições (causadoras de bocejos) possa dar azo a uma memória mais positiva do que tais excertos merecem.
Afinal de contas, esses excertos acabam por ser muito estranhos porque a sua autora ficcional os escreve com uma precisão de detalhes que roça o maníaco.
Ela não só descreve o que aconteceu muitos dias depois de ter acontecido como expressa com muita eloquência os momentos em que esteve à beira de ser violada ou morta - que deveriam ser traumatizantes e capazes de fazer esquecer alguns detalhes, pelo menos.
O que o diário vai revelando é a complexidade de Erica que nem o próprio Max - o namorado heróico - conhece e que a tornam num pouco mais do que uma vítima inocente.
O livro quer fazer dessa descoberta um foco adicional para além dos desenvolvimentos da busca.
Como nunca nos interessamos por conhecer os personagens, também isso falha. A par da reflexão moral sobre as práticas das farmacêuticas e a cumplicidade com a violência anónima no continente africano.
Ao contrário do que a tagline do livro quer fazer crer em toda a sua arrogância, este livro pode ser o "mais" em muitos aspectos, mas todos eles contrariam o adjectivo usado.


Febre (Nick Louth)
Jacarandá
1ª edição - Julho de 2015
376 páginas

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