sábado, 22 de dezembro de 2012

Mais perto da composição ideal

Da primeira vez que me deparei com Giorgio Faletti não fiquei conquistado, mas também não fiquei afastado em definitivo.
As ideias eram demasiadas mas estavam lá com todo o seu potencial a precisar de um acerto mais eficaz.
Este seu livro vem, pelo contrário, com muito menos ideias mas muito mais riqueza, recuperando um elemento essencial que agora sinto que faltava ao seu livro anterior: um drama de personagens que precede a mera caracterização para servir o propósito da trama.
Trata-se de um livro de contornos muito mais "clássicos" do que o anterior, demorando-se com as duas personagens centrais - uma polícia sobrecarregada e um jornalista caído em desgraça que estão "condenados" desde o início a serem colegas e a terem um interesse romântico discreto (situação pouco imaginativa, mas útil a livro) - e as muito mais personagens secundárias que têm tempo para revelarem uma personalidade antes de servirem como mais uma peça para o puzzle final.
Estas personagens têm ligações a instituições sempre muito interessantes pela sua estrutura algo escondida e muito hierarquizada como são as forças militares e as estruturas católicas.
São elementos que vêm, também, adicionar um certo sabor a transgressão por parte do autor, o que cativa o público, mas a sua utilização vai-se encaixando sem exageros gratuitos.
A conjugação entre as várias personagens, os cenários em que se movem e os passados complicados, tornam a leitura numa corrida mais lenta em comparação com o outro livro do autor que já conhecemos, mas são elementos que tornam uma certa resistência necessária mais agradável.
E afinal, mesmo sendo o vilão da história um bombista e, portanto, mais apto para o thriller, acabamos por estar perante algo que é muito mais policial, por estar mais interessado nas personagens do que nas suas acções.
A demora na leitura de um livro (novamente) longo tem causas que acabam por merecer a quantidade de páginas extra. E estas podem criar alguns momentos mais intricados sem desmerecerem uma resolução capaz e lógica que surge logo de seguida.
Com tudo isto não pretendo esconder que Giorgio Faletti podia beneficiar com alguns cortes na linguagem em momentos de descrição minuciosa.
Tal faria com que apenas sugerisse o que tende a expôr - conquistando o leitor, que tem de investir mais na leitura - e reduziria ainda algumas páginas ao livro.
Se até aqui analisei o trabalho do escritor meramente enquanto tal, tenho também que assinalar o arrojo que teve um italiano em fazer passar pela sua história "americana" uma análise consciencializante do papel que os Estados Unidos da América têm no seu próprio tormento.
Colocar um bombista em acção em Nova Iorque, num ambiente pós-"11 de Setembro", arrisca sempre tocar num nervo ainda sensível.
Mas acabar por revelar que é o próprio passado do país que leva a que haja uma retribuição no momento presente é já ir além do elemento-choque para incorporar uma realidade histórica numa obra ficcional.
Um passado que não é só de relações externas, mas também da maneira como um país lida - usa? - com o seu próprio povo, ou não estivesse a Guerra do Vietname envolvida neste relato.
Com mais estes elementos acrescentados à mistura, Giorgio Faletti consegue guardar até ao fim uma surpresa forte que faz a espera valer a pena e aproxima-se do que deve ser a estrutura - fortificada pela experiência - para o género de livros que escreve.


Eu sou Deus (Giorgio Faletti)
Contraponto
1ª edição - Maio de 2012
376 páginas

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