quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Biografia sóbria para uma vida dramática


Os contornos gerais da história de Aristides de Sousa Mendes são conhecidos, mas não há dúvida de que os detalhes devem ser melhor divulgados.
O salvamento de trinta mil vidas é um feito assinalável mas que ganha ainda mais força no contexto de uma vida definida pelo que o homem foi antes e sofreu depois.
A enormidade extraordinária do acto de passar vistos sem excepção alguma cresce pela maneira como surge - de uma dura confrontação da consciência com o dever que o manteve três dias prostrado perante si mesmo - e pela maneira como o deixará - na pobreza e muitas vezes só até ao fim da vida.
O que ele penou em nome de trinta mil vidas merece acompanhar todos os relatos que se vão esvaziando a pouco e pouco até deixar apenas um heroísmo fácil de alcançar.
Até porque não é só a consciência moral de Aristides que deve ser enaltecida, mas também a sua consciência enquanto servidor do país.
Aristides quebrou as regras que lhe eram ditadas pelo governo de Salazar por crer que estas estavam erradas perante a Constituição Portuguesa e que, como tal, estava a preservar a imagem de um país perante o Mundo e perante o Futuro.
Uma verdade que o Tempo tratou de confirmar não sem que antes o próprio Salazar - que, com a ingenuidade dos que medem nos outros a mesma elevação que é a sua, Aristides cria estar a ser mal aconselhado - recebesse louvores por ter permitido a tantas pessoas receberem vistos e atravessarem Portugal em direcção à salvação do outro lado do Oceano Atlântico.
Para se poder reconhecer o verdadeiro heroísmo do homem deve, pois, compreender-se o risco em que esteve a correcta memória dos seus actos.
Esta é uma biografia que valoriza essa percepção, sóbria e directa no relato dos dados mais importantes que marcaram a existência de Aristides.
José-Alain Fralon mostra um distanciamento reconhecido - e não reverente - ao sujeito sobre quem escreve, permitindo-lhe relatar sem embaraço nem exagero a verdade reconhecida.
Sendo essa a mais significativa característica de Fralon enquanto biógrafo, torna-se também no fundamental instrumento de frustação para o leitor em alguns momentos do livro.
O autor parece tocar alguns momentos da vida sem aprofundar - ou arriscar reflectir ele próprio - sobre os latentes confrontos entre o carácter um pouco dúbio e a acção sempre meritória do biografado.
Não se trataria de ceder a qualquer promiscuidade de paparazzo moderno, pelo contrário, serviria a enaltecer os actos de Aristides perante as suas falhas mundanas e compreensíveis.
Entenda-se tal reparo como a vontade de encontrar um tratamento dramático para a vida de Aristides que o encorpasse ainda mais como figura do seu tempo e como herói acima de qualquer outra das suas características.
Uma leitura importante que pede - pela dimensão e pelo tempo que sobre a sua publicação original passou - que nela peguem para mais longe chegarem com a matéria promissora com que se fez a vida do Cônsul de Bordéus.



Aristides de Sousa Mendes - Um Herói Português (José-Alain Fralon)
Editorial Presença
4ª edição - Outubro de 2012
128 páginas

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