domingo, 15 de janeiro de 2012

Encontrar uma conexão

Numa compilação de contos, mesmo uma criada através de uma combinação de vontades de um júri e de público votante, há sempre uma tendência a procurar um elemento de união que a transforme num todo.
No caso deste contos, quanto a mim, a união está no humor que se debruça sobre a portugalidade (mesmo se de forma generalista por afunilamento da visão do mundo). Fosse mais evidente ou de uma subtileza que se guarda até depois do conto estar acabado, houve sempre uma nota de humor a acompanhar a leitura deste cinco textos.
O conjunto é muito interessante, mas começa mal com um conto que se parece demasiado com uma piada que arranca mal com um truque que uma breve investigação teria corrigido. A mudança do nome de uma pessoa não se pode estender aos seus apelidos, pelo que o grande motivo para o humor de Entrevistas de Emprego soa falso e fácil.
A sua admiração final ficará, certamente, a dever-se à acumulação de pequenos traços caricatos à figura de um português tentando vencer a máquina de empregabilidade nacional.
João, o Trovador, logo de seguida, é uma pequena saga imensa de moralismos inesperados que tocam tantas situações quantas as que o mundo tem para mostrar.
Situações que embaraçam aqueles que as criam contra o protagonista, porque todas as expectativas saem goradas pela medida de admiração que nos merece João.
Trata-se do melhor conto do conjunto, com uma admirável sensibilidade e um talento que evita que o tocante se torne lamechas.
André Domingues escreveu o mais cerebral dos cinco contos, não porque não haja uma crítica feroz e orgânica em Sine Die, mas porque partindo dos limites da arte moderna o autor vai criar uma trindade de elementos que nos deviam deixar perplexos perante o mundo moderno.
Tocam-se os tais limites radicais mas falhos de consciência da arte, os elementos anónimos das relações virtuais a que muitos se rendem depressa demais e o canibalismo social dos meios de comunicação modernos para quem até o humanismo profissional serve de motor a audiências.
Trata-se de um conto inteligente e cujos conceitos poderiam ser explorados mais a fundo, algo que me lembrou os exercícios de Lydie Salvayre.
BUS e Maria, uma Breve História são os dois contos entre os quais se encontram mais pontos de contacto. São ambos visões que mexem com o mais profundo da pequena alma do quotidiano.
O ponto em que se separam é a forma. O primeiro conto usa de forma intricada os limites do absurdo para colocar a nú o mais caricato da tão apregoada desenvoltura portuguesa. O segundo faz rebentar a resignação portuguesa - o poder silêncio - mas levando-a ao limite para estranho deleite do leitor.
São duas histórias sobre crimes de pasquim contadas de forma muito original que mereciam, sem dúvida, estar (como estão) publicadas em livro.


Novos Talentos FNAC Literatura 2011 (Regina Samagaio, Emílio Gouveia Miranda, André Domingues, Luiz Milhafre, Maria João Lourenço)
Teodolito e FNAC
3ª edição - Setembro de 2011
100 páginas

1 comentário:

  1. Boa Tarde, Carlos,

    O meu nome é André Domingues e fui um dos autores deste livro. Agradeço-lhe a resenha crítica e envio-lhe um abraço!

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