sábado, 24 de julho de 2010

Humor sentimental

Se a imitação é a mais sincera forma de lisonja, talvez a humilhação seja a mais sincera forma de apreço.
David Sedaris expõe-se primeiro a si próprio e logo depois à sua família à gargalhada pública. Todos os episódios, não apenas os naturalmente ridículos mas até aqueles que pareceriam merecer apenas um sorriso momentâneo, são utilizados em função do humor. O que os torna interessantes e divertidos não é apenas o contexto ou as acções que neles decorrem mas a forma como Sedaris os encara.
Trata-se de olhar para os eventos com um bloco na mão acompanhado a imaginação de uma criança: é preciso tomar nota do que sucedeu, tê-lo bem presente, para depois partir para os pequenos devaneios que extrapolam a realidade para o campo da piada.
David Sedaris escreve-nos o seu ponto de vista dos eventos, um ponto de vista originalíssimo. Se não fosse não teria interesse. Qualquer cronista conseguiria fazer humor com o caricato, ele fá-lo com o comum.
Poderá parecer que a sua família sai mal tratada deste livro, mas eu discordo. A mim parece-me apenas uma família com o habitual conjunto de personagens que o "teatro da vida" convoca.
Parece-me antes que a família de Sedaris sai homenageada pela emoção que ele tenta encobrir no humor mais afiado - uma atitude típica de homem na sociedade, talvez.
É saudade o que ele tem de um tempo em que a família representava um contexto social e emocional mais rico, de um tempo em que o núcleo de uma casa podia degladiar-se no interior mas se defendia do exterior, de um tempo em que se dependia e defendia o sangue comum.
O humor de Sedaris é fortíssimo, daquele que prolonga a gargalhada tanto tempo que parece que se está a chorar a rir. Mas o riso pode estar apenas a disfarçar as lágrimas de genuína emoção.


















Álbum de Família (David Sedaris)
Contraponto
1ª edição - Junho de 2010
200 páginas

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