terça-feira, 20 de julho de 2010

Desgraçada aventura

Apetece-me brincar com as palavras e dizer que desgraça não é senão a forma abreviada que encontrámos para denominar os momentos em que o destino julga que tem graça.
Não fossem as piadas do destino que somente frustam quem lhes serve de motivo quando finalmente as percebem e as suas deambulações em sentido contrário pelas vidas comuns, as vidas seguiriam um rumo de sucesso e acalmia. Seria um sossego, mas não teria interesse nenhum.
As aventuras, nascem nesse acesso de raiva que é encarar o erro do destino e querer invertê-lo.
Até mesmo quando o destino parece ter tornado a vida melhor, isso é só uma ilusão aos olhos dos outros enquanto que, para si mesmo, a vítima se sente humilhada. Dar a vida mansa a quem quer a vida agitada ou a vida aventurosa a quem só quer descanso é a sacanice do destino que não perdoa por ser o maior Bufão que existe.
De pequenos equívocos - rasteiras, sem dúvida - em pequenos equívocos faz-se então uma enorme aventura, uma matrioska onde cabem outras aventuras, de um Coração das Trevas a Bonnie and Clyde.
Mas não nos esquecemos que todas as aventuras são, pois, desgraças, mesmo as que redundam em sucesso.
Cada momento de emoção e energia nasce do infortúnio do falhanço. Cada momento suspenso na expectativa vitoriosa nasce do erro. Cada momento de embaraçosa revelação nasce do que se quer mas não se pode, de facto, esconder.
O Olho de Hertzog é um aventura assim, desgraçada para os que se atropelam de encontro uns aos outros. Inevitavelmente chocam, mas chocam com graça e com o ímpeto de quem parece dado a tais embates.
Porque assim é a escrita de João Paulo Borges Coelho, duas corridas em direcção ao choque mas que ainda conseguem o efeito de surpresa. O fascínio de toda esta piada do destino resulta, porque de uma piada nasce outra e todas se encadeiam. E nós vamos por esse fio...


















O olho de Hertzog (João Paulo Borges Coelho)
Leya
2ª edição - Abril de 2010
448 páginas

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