sábado, 1 de agosto de 2009

Redescobrir a distopia

Lidar com este livro envolve uma enorme dicotomia que apenas torna o exercício mais interessante e a admiração pelo autor maior.
Trata-se de um combate que o leitor tem de travar entre a forma e o conteúdo ou, sendo mais específico, um combate entre a resistência do leitor à datada forma deste romance de Ficção Científica e a sua insaciedade com a imaginação sempre actual do seu conteúdo.
A obra de Karel Capek ainda está muito agarrada ao género de relato que H. G. Wells havia iniciado e ainda sem a frescura da geração que surgia na década em que esta obra foi publicada.
A extensão de informações dadas em notas de rodapé, reproduzindo artigos de jornais muitas vezes em línguas não traduzíveis, chega a ser demasiado maçuda.
Mas pelo meio disso surge uma forte e intemporal capacidade crítica que aplica a sua sátira a assuntos tão diversos como a tolice Hollywoodesca, as políticas fanáticas e racistas ou a falta de abertura dos homens de ciência.
Sátira essa que, apesar de falar das starlets e do nazismo em específico, fá-lo de uma forma que está para lá dessa especificidade, que é aplicável ao comportamento mais constante e cíclico dos seres humanos.
Mas, acima de tudo, há uma crítica nada velada à essência - mais bélica que comunitária - da própria Humanidade, sobre a qual ele discorre em importantes reflexões de teor quase filosófico e contra a qual termina com um capítulo metalinguístico em que fala do futuro das salamandras como expressão das possibilidades do que a humanidade acabará por fazer a si mesma.
A Guerra das Salamandras é uma cruel distopia da própria visão em que se vinha transformando e continua a transformar a humanidade.
Um livro inovador no seu tempo que em bom tempo se pode redescobrir, já que se mantém como um aviso tão actual.


















A guerra das salamandras (Karel Capek)
Publicações Europa-América
1ª Edição - Maio de 2009
240 páginas

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