domingo, 22 de dezembro de 2013

O prazer de estar (e ir resolvendo um mistério)

A Praia dos Afogados é um policial com uma trama muito bem estruturada que leva o leitor do Presente ao Passado e de volta através de um conjunto de mistérios que se relacionam sem falhas.
Para quem não tem o policial entre os seus favoritos, vale a pena indicar que A Praia dos Afogados é, ainda antes do que acima escrevi, um romance de ritmo pausado que proporciona ao leitor um convívio de grande intimidade com uma personagem fascinante como é o inspector Leo Caldas e que faz uma descrição perspicaz da comunidade pesqueira da Galiza.
No equilíbrio entre as duas faces do livro, aparentemente antagónicas, descobre-se o quão bom foi o trabalho do seu autor, com recurso a toda a versatilidade para as equilibrar.
Os capítulos breves e com recurso ao diálogo como ferramenta primordial da investigação policial sabem guardar espaço para momentos de apreço pela paisagem em redor ou de reflexão nas tradições locais.
O humor das trocas de palavras com as testemunhas de vontade cerrada faz sentido lado a lado com os humores menos animados de um tio de Leo Caldas gravemente doente que este não tem tempo de visitar.
A dupla cómica de contrastes que o inspector forma com o seu adjunto Aragonês e temperamental - um  sidekick fora-de-água perante o calmo Galego - não permite que se perca o tom de tragédia simultaneamente perdida e prolongada no tempo.
Trata-se de um romance cheio de vidas realistas, começando na das costas galegas - descritas até à palpabilidade - e terminando nas de maiores dificuldades dos pescadores de uma década atrás.
Um romance que, sendo igualmente um policial, se aproxima daquele cariz clássico que os melhores têm: não depende apenas do mistério para agarrar o leitor, garante tal efeito pelo carácter da sua personagem.
Leo Caldas está entre os polícias capazes de protagonizar livro atrás de livro sem se tornarem personagem esgotadas, antes atingindo o estatuto de inesquecíveis.
Isso vem de elementos tão inusitados quanto fascinantes que moldam uma personalidade única em que o polícia e o homem se confundem.
O seu relacionamento com o pai que lhe serve de mestre sem filtro e com quem se dedica a completar (de memória) um caderno de idiotas que foi sendo compilado por este.
O seu voluntarismo para um programa de rádio onde recebe - e se propõe a resolver, sem sucesso aparente - as queixas dos cidadãos.
O seu modo melancólico de se colocar na posição dos outros - suspeitos ou testemunhas - que o torna um polícia mais capaz mas também o deixa propenso a um ou outro erro por compaixão excessiva.
As características que fazem dele um bom polícia são as mesmas que fazem dele um homem bom demais: memória, atenção e entendimento.
O leitor só pode ter apreço por Caldas, por tudo isto e também por ter uma relação gastronómica com a comida mais simples da sua região - como tantos outros maravilhosos detectives ao longa da História do género.
Este caso a que tem de se dedicar não acaba resolvido de forma perfeita, mas acaba com justiça e com a garantia da fidelidade de Caldas a si próprio.
O resultado é uma excelente leitura, que não precisa de ser encaixada num género, para poder agradar a todos os leitores.


A Praia dos Afogados (Domingo Villar)
Sextante Editora
1ª edição - Fevereiro de 2013
424 páginas

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