quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A defesa de si mesmo

Um crime envolvendo crianças, como vítimas e perpetradores, torna-se num exame profundo à comunidade a quem perteciam.
Os jovens são sempre a ponta de esperança e inocência que a comunidade tem para protegere. Que possam matar ou ser mortos coloca em causa a essência da comunidade e as noções com que esta faz frente ao seu mundo - que julga terminar ao fundo do quarteirão.
Não importa que "as crianças possam ser muito cruéis", as pessoas confiam sempre na nobreza inocente da geração dos seus filhos para a qual trabalharam de forma a proporcionar-lhe um ambiente recluso mas dentro do qual há a ilusão de liberdade.
A vida é um vaguear seguro porque acontece dentro de limites, desde que estes sejam mantidos a uma distância que os torne invisíveis.
O anseio dessas comunidades em tornarem-se condomínios amplos onde os muros mantém os perigos do lado de fora fá-las esquecer que são uma reprodução miniatural do mundo e que o perigo estará sempre - mesmo se apenas em potencial - lá instalado desde o momento da sua criação.
Esse perigo intrínseco, que a comunidade adulta tentou esquecer, volta a assombrá-la assim que aqueles a quem chamava "os nossos jovens" estão postos em causa.
Esse é mesmo o caso central do narrador, pai do acusado, que testemunha em tribunal a história complexa que viveu e em que o seu papel é, igualmente, o de acusado pela opinião pública que precisa de um bode expiatório da culpa geral.
Ele é, também, filho e neto de assassinos e o procurador-geral que ficou com o caso encaminhando-o numa direcção que não era a do seu filho. Portanto, culpado por genética e cúmplice por profissionalismo.
Está no tribunal a testemunhar tanto a favor do seu filho como de si mesmo.
Defende-se do falhanço como pai que deixou passar em claro as tendências violentas do seu filho.
Defende-se da inevitabilidade de ceder ao gene guerreiro que lhe corre nas veias e transmitiu ao acusado.
Defende-se do crime de se ter aproveitado de um posto de confiança que até aí cumprira irrepreensivelmente.
Resta saber, com o decorrer da história, se isso é possível quando cada rua, cada cidade e cada estado americano - e os próprios Estados Unidos da América - (se não o eram) se transformam numa comunidade unida contra aqueles que a atacam.
Este homem, Andy Barber, que relata a sua história no tribunal nunca estará perante doze dos seus pares, mas perante doze dos seus múltiplos acusadores.
A sua batalha não é judicial, é de pertença pessoal no seio daquilo que se pode considerar a forma moderna de conselhos tribais.
Andy Barber tem de argumentar contra opiniões já estabelecidas, mudar a visão que fazem de si e dos seus, contra as conversas tidas em surdina onde a sua situação passou a ser entendimento comum.
Mas o seu relato tem duas camadas. A de composição de uma imagem controlada para os restantes membros da sua comunidade e a de alívio pessoal da consciência com um relato mais completo.
Ainda que Andy se defenda, até pela sua profissão não consegue deixar de ter dúvidas no momento de uma análise mais fria da situação fazendo uso de todos os elementos que conhece.
Esse relato, pelo qual William Landay torna o leitor cúmplice imediato da consciência do personagem que criou, não pretende esclarecer sobre culpa(bilidade) e inocência.
Pretende obrigar o leitor a vaguear nas lamas da "dúvida razoável" até que faça um julgamento quando é o único par possível para aquele personagem: o único que com ele partilha todo o conhecimento.
O leitor não ficará livre de duvidar, tal como ninguém o deixa de fazer até ao final do livro, momento para o qual o autor reserva uma última e essencial revelação que vem alterar em definitivo - e para melhor efeito no leitor - o que até aí se tinha lido.
Com o benefício de não precisar de recorrer a qualquer mirabolante reviravolta, bastando ter sabido os momentos certos para cada informação.
Dando um lugar de interveniente essencial ao leitor, o autor conseguiu aguçar tanto o interesse como a ponderação de cada leitor.
Afinal, sob a capa de um thriller judicial, William Landay escreveu um relato muito inteligente de angústias individuais e colectiva.
Um relato dos limites da sordidez humana e da fidelidade familiar, simultâneo e deixando que esses limites se tornem difusos uns contra os outros.


Em Defesa de Jacob (William Landay)
A Esfera dos Livros
1ª edição - Julho de 2013
388 páginas

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