Conheço com apreço e admiração retornados a cada leitura a obra que o autor ergueu no domínio da banda desenhada mas logo da primeira vez que experimentei a sua prosa, com Os Ossos do Arco-Íris, senti um forte desapontamento.
Com o primeiro conto deste livro senti que estava condenado ao mesmo destino, a continuar a refugiar-me na banda desenhada para apreciar o trabalho de David Soares.
As palavras exploradas com afinco mas também redundância, buscando um efeito que não o de clara progressão narrativa mas de mera erudição - em parte sonora, pois os textos merecem sempre uma segunda leitura, já em voz alta - desprotegiam as ideias de A Sombra sem Ninguém que se revelavam menos originais do que o talento do autor fazia crer.
Logo depois, refutando tudo o que o primeiro conto me fizera dizer acerca dele, A Luz Miserável e Rei Assobio são dois pedaços brilhantes de escrita.
Ambos versam sobre o peso da memória que resta e ambos arrancam à triste humanidade a possibilidade do Fantástico seja pelo peso do medo ou da esperança.
São contos com um cenário que diria ser identificável no nosso espaço geográfico mas com os traços indefeníveis (e universais) dos locais que ficam fisicamente abandonados e espiritualmente entregues. Onde o real cedeu ao extraordinário.
O medo é aqui talhado para ter uma capa mundana, plausível como relato de vidas antigas e cujas contrariedades parecem cada vez menos reprodutíveis num mundo moderno.
Ainda assim o medo subsiste, porque a capa pode cair e dar lugar a outra mais pessoal, capaz de nos tocar mais profundamente. Uma nova capa que será, assim o creio, a nossa própria pele, a nossa própria vida.
Com estes dois contos sinto que fica provado que tenho andado a adiar duas leituras essenciais - a bem dizer três, que tenho a promessa do empréstimo de Lisboa Triunfante assim o queira.
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