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sábado, 13 de fevereiro de 2016

Mal digerido



Este é um livro de curiosidades que vale pela sua premissa, de falar da História a partir do ponto de vista dos pratos que a acompanham.
Promissor e apelativo, como o título que os autores escolheram, num tom de leveza que, no limite, permite fazer conversa à mesa depois da preparação da receita.
Parte do livro responde a essas expectativas mas a selecção de receitas tem problemas por entre as opções justificadas.
Desde logo porque esta não viaja bem para fora da Suécia, com vários acontecimentos cuja importância não atravessa a fronteira.
São cinco receitas (não conto com a refeição servida quando Marie Curie foi receber o seu segundo prémio Nobel) e não creio que alguém manifeste interesse no que os ABBA comeram para celebrar ganharem o Festival da Eurovisão, o que foi servido na boda dos reis da Suécia, que escolha alimentar garantiu à Suécia o seu primeiro campeão mundial de boxe ou como tentaram alimentar as pessoas durante o assalto ao banco em Estocolmo.
Mesmo que a refeição que matou Eurico XIV possa ter algum interesse mais pela trama política que a "cozinhou", não faz falta ao livro.
As vistas curtas acerca do potencial de edição deste livro fora do país dos seus autores não é o problema maior do conjunto de receitas.
Falta lógica na inclusão do sumo que Michael Jackson bebia todas as manhãs ou a receita de sandes de atum que os Iron Maiden consomem e que se resume a pão branco, manteiga e atum em lata com a indicação para deixar cada um prepará-las por si mesmo.
Sobretudo considerando que na introdução se afirma que ao longo do livro a comida está num patamar secundário de um conjunto de acontecimentos entusiasmantes, excitantes e grandiosos.
Raros são os acontecimentos que justificam tal profusão de adjectivos.
Muitas vezes os autores querem falar de algumas personagens históricas e para tal encontraram uma justificação.
Uma receita que Kurt Cobain deixou escrita num caderno ou a receita de Rosa Parks para panquecas são casos em que a comida nem elemento secundário chega a ser.
Saber o que foi servido como prato principal naquela que ficou recordada como "A Festa do Século" está bem mais perto do que o livro deve ser, caso para uma pequena resenha histórica onde a comida é capaz de despertar interesse à distância de tantos anos.
Pela extravagância que esperaríamos ver associada à festa queremos saber o que lá se comeu - e quem sabe se reproduzir para impressionar amigos. Mas a funcionalidade também desperta o interesse.
Saber o que comeram os alpinistas para atingir o topo do Everest ou o que permitiu a Charles Lindbergh cumprir com a travessia do Atlântico chama a atenção pelo que essas escolhas ajudaram a alcançar.
Saber qual foi a primeira refeição na Lua ou a última refeição no Titanic balizam o livro com patamares a que a maioria das escolhas não alcança.
Conclui-se que falta ao livro um critério de selecção coerente, mesmo que ora fosse a receita a dar importância ao acontecimento ou o acontecimento a tornar o prato então servido numa curiosidade.
Tal é mais penoso perante a qualidade do livro, um álbum de capa dura onde o cuidado é máximo para melhor servir a qualidade das fotos que tornam os pratos em verdadeiras estrelas.
Na composição das fotos há que destacar o cuidado colocado na reconstituição de um cenário que remeta para o contexto em que o prato foi consumido e cujos pormenores em seu redor revelem as pessoas que a saborearam.
Como na imagem que encima o texto, em que o gulache partilhado entre inimigos durante o Natal de 1914 surge servido nos materiais disponibilizados aos soldados entricheirados.
Um cuidado de dar vida aos pratos que culmina, curiosamente, na ausência de comida, com uma refeição de Ano Novo de François Miterrand que já só tem o guardanapo sobre o prato.
Afinal tratou-se de uma refeição tão decadente e politicamente incorrecta - uma rara sombria deve ser alimentada a figos para acabar afogada em Armagnac - que não deve ser cozinhada apenas para o efeito de ilustração. Além de que se pode entender neste guardanapo caído sobre o prato o esconder de uma certa culpa cujo gosto fica na boca depois de tal repasto.
Um travo amargo como o de imaginar o que este livro poderia ter alcançado se todos os pratos estivessem à altura das fotografias que os servem.


O Macarrão de Estaline (Jon Rönström e Anders Ekman)
Bertrand Editora
1ª edição - Novembro de 2015
146 páginas