quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Demasiadas ideias

Recordava-me de ter gostado do anterior livro de Donato Carrisi publicado por cá e isso chegou para seguir para este, malgrado a capa, cujo efeito é o contrário da atracção.
(Alguém deveria conseguir explicar porque não se limitaram a usar a capa original em vez de carregarem esta com uma nada subtil simbologia Cristã e uma falhada tentativa de dar a ver o grande mistério do livro.)
O que este livro reforça é o talento de Carrisi para gerir a tensão sem recorrer ao espalhafato, apenas controlando os tempo com precisão.
Inevitavelmente isso significa, por vezes, que deixa uma cena em suspenso para um capítulo posterior, mas na maioria de vezes trata de gerir os tempos da macroestrutura do romance e não manipular por via de tais truques momentâneos.
As suas personagens também ganham vida com facilidade, o que é importante quando a informação sobre elas tem de pingar do princípio ao fim e não jorrar logo nos primeiros capítulos.
Por isso o seu livro se lê com tanta facilidade e com alguma dose de prazer. Reforçado pelo seu intento de perseguir ideias originais que contribuem para afastar os seus serial killers da banalidade.
O que, neste caso, é também verdade para o seu principal investigador, até porque eles partilham uma particularidade psicológica e algo mais do que isso, uma identidade passada.
Donato Carrisi ficciona estes seus personagens e as suas especificidades a partir de casos documentados que tenta levar o mais longe possível sem deixar de ter algo de plausível.
O fascínio dos acrescentos feitos relatos que Carrisi vai buscar surge de serem intelectualmente estimulantes, num apelo de imaginação que termina em certa estupefacção de não ser tão inventada quanto parece.
Só que essa obsessão com as ideias leva a que Carrisi não torne plenas as suas personagens, abdicando da psicologia para as rematar como peças do puzzle que foi traçando.
Um puzzle complexo que usa duas boas ideias em vez de as explorar em separado para garantir que estas se tornavam excelentes na sua função dentro do thriller.
Carrisi concluí o puzzle de forma que a imagem é clara e satisfatória, mas há uma sensação de desperdício, como se o enquadramento fosse deficiente para preservar ambos os pilares d'O Tribunal das Almas.
Não dando detalhes, para não destruir a surpresa dos que virão a ler o livro, devo dizer que a exploração das identidades no livro se torna complexa e que não facilita um traçar definitivo das personalidades dos personagens.
Mais uma razão para tentar explorar primeiro os percursos individuais dos personagens que, pelo contexto, sustentavam facilmente histórias independentes - quem sabe se séries independentes!
Tal como em O Sopro do Mal, aqui o suspense é quase perfeito e sustentado por uma arquitectura da trama que se deve assinalar por resistir intacta apesar da sua expansão constante.
A decisão de encher esta obra com mais do que essa arquitectura podia conter antes de fazer sucumbir os seus personagens é que impede que a obra se erga.


O Tribunal das Almas (Donato Carrisi)
Porto Editora
1ª edição - Maio de 2012
424 páginas

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