Nos anos 1950 em Dublin um patologista leva uma vida carregada de desesperança. Não pelo número de cadáveres que vê passar pelo seu departamento mas pelos constrangimentos sociais que voltaram a dominar a cidade.
Para o seu caso particular conta que se tenha ligado a uma das famílias que continua a dominar a estrutura social e a impôr a sua vontade. Até a ele que teve de se casar com a irmã que menos amava.
Quando o seu concunhado tenta fazer passar uma certidão de óbito com uma causa falsa, o protagonista Quirke, vence a sua inacção.
O sentido do seu nome para o que ele vai representar na ordem estabelecida é evidente. Talvez ele tenha encontrado o seu ponto limite para as cedências que faz à família. Ou apenas tenha sentido a sua exigência profissional (e moral) colocada em causa.
Seja que razão for ele inicia a investigação acerca da morte de Christine que se adensa dentro do clã que nunca o aceitou devidamente.
Na Irlanda nenhuma família existe isolada e aquilo em que ele remexe envolve uma ligação maior entre múltiplas famílias poderosas e entre Dublin e Boston.
O que ele vai revelando é uma rede que se move para lá da Lei assente nas boas intenções do Catolicismo.
Homens influentes no seio de uma sociedade secreta que tentam moldar um futuro pleno para a sua herança nos Estados Unidos da América: tráfico de crianças para garantir os homens e mulheres de fé do futuro, certamente através duma lavagem cerebral que é apenas sugerida.
Quirke, como vários detectives do noir americano dessa e da década anterior, envolve-se em algo que é demasiado para um homem sozinho - e para as suas capacidades como detective!
A cobrança é física, ficando ele praticamente sem uso de uma perna. Mas a desistência psicológica nunca é equacinada.
Aqui o policial é temperado com o melodrama, que reaproxima as personagens da trama num novelo emocional que se dirige de novo à família de Quirke.
Quirke move-se também para salvaguardar a vida da sobrinha em relação a quem há um segredo e que, como ele, também se rebela perante a família com a paixão por um homem que não se adequa a ela.
Um segredo poderoso que é, de certa forma, o reflexo pessoal do caso que ele investigava e que parece indicar que Quirke estava desde o início consciente que precisava de se colocar na pista da resolução do seu próprio papel dentro da família, até para o contrariar em definitivo.
Só que esse segredo obriga a toda uma consequência de pequenas revelações que marcam os personagens, sem excepção, como seres falhados que tiverem de se encobrir com a força da tradição familiar.
O livro é inclemente, dilacerando os personagens - e o leitor com elas - à medida que as encaminha de forma destrutiva para a resolução que envolve outra Christine, a filha da mulher que o concunhado queria fazer crer ter morrido de causas negligenciáveis.
Não se pode negar que o apelido Black foi escolhido para denunciar a atmosfera do livro, num trabalho que é de construção meticulosa do enredo mas que não descuida a qualidade da arte que deve estar inerente à montagem da cadência das palavras nas frases e das frases nos parágrafos.
Benjamin Black, ou melhor John Banville, escreve com a mestria de quem não se excede nem sequer numa palavra mas sabe preencher cada frase com a sugestão de atmosfera que insufla o instante da frase e se vai acumulando até carregar de tal forma cada cena que esta emana em torno do leitor e torna o livro inesquecível.
O Segredo de Christine (Benjamin Black)
Edições Asa
1ª edição - Março de 2010
320 páginas
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