Muitos dos policiais nórdicos surgem com intenções que vão para lá das de entretenimento literário, almejando um alerta social.
No caso particular de Anne Holt tal fica claro desde o primeiro livro. A autora tem duas preocupações principais: uma feminista e uma de Justiça.
Por essa combinação de razões o protagonistmo do seu livro é dividido entre o inspector Stubø e Johanne Vik.
Ele é um polícia sem provas a que se agarrar num caso de desaparecimento (e morte) de crianças que recorre a ela num capricho - frute de atracção, arrisca o leitor desde logo - depois de a ver sair intempestivamente de um (mau) programa de informação.
Johanne é, apesar do seu passado no FBI, uma investigadora universitária e permanece relutante em dar uma mão à investigação.
Um homem sem medo de pedir ajuda e uma mulher sem medo de a recusar - apesar do caso envolver crianças e haver uma suposta expectativa de cedência ao instinto maternal - demonstra uma sociedade onde os papéis de género se equiparam sem censuras.
O elemento da Justiça vem do tema de investigação dela, pessoas vítimas condenadas por erros judiciais em casos violentos.
Com ele vem a noção de que há um trabalho de consciencialização histórica por fazer que assim permanece porque só casos de grande alarido merecem a pontual atenção pública para os problemas de um sistema de Justiça que não termina na investigação policial.
Os temas das suas investigações acabarão por coincidir num certo ponto, com a autora a querer dizer que há uma complementaridade entre Passado e Presente.
Naturalmente, também entre homem e mulher, levando a que Stubø e Vik se envolvam ainda que tal contrarie o instinto dela.
Ele não é um homem atraente nem cuidado, só que ele sabe que há entre eles matéria de relacionamento que poderá avançar do intelectual para o físico.
Curioso verificar que na componente policial há a inversão destes papéis, com ela a ser muito mais assertiva na sua análise e ele a acabar por recorrer ao instinto de detective calejado, ainda que tal não lhe seja natural.
A complementaridade é um dos temas de fundo do livro mas Holt não transforma o policial numa desculpa para um romance, tratando a relação dos dois quase longe do olhar do leitor.
A autora vai ao âmago da história, construíndo os seus personagens e a sua relação futura com uma economia que serve também um mistério de vida que nos lança na perseguição das próximas etapas desta dupla que equilibrará o profissional e o pessoal.
Há que reconhecer que essa economia transparece para a própria trama, não havendo a vivência excitante dos procedimentos.
Isso está compensado pelo que é uma perspectiva de reacção aos elementos que vão surgindo, com o leitor acompanhando o processo interno dos personagens.
Nada se desconjunta e o resultado é de grande satisfatação perante uma autora dominando o seu labor e oferecendo um policial, um estudo de personagens e uma lição de cultura Norueguesa.
Castigo (Anne Holt)
Contraponto
2ª edição - Outubro de 2009
270 páginas
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