quarta-feira, 23 de setembro de 2015

E não é que resulta?

Muitos dos policiais nórdicos surgem com intenções que vão para lá das de entretenimento literário, almejando um alerta social.
No caso particular de Anne Holt tal fica claro desde o primeiro livro. A autora tem duas preocupações principais: uma feminista e uma de Justiça.
Por essa combinação de razões o protagonistmo do seu livro é dividido entre o inspector Stubø e Johanne Vik.
Ele é um polícia sem provas a que se agarrar num caso de desaparecimento (e morte) de crianças que recorre a ela num capricho - frute de atracção, arrisca o leitor desde logo - depois de a ver sair intempestivamente de um (mau) programa de informação.
Johanne é, apesar do seu passado no FBI, uma investigadora universitária e permanece relutante em dar uma mão à investigação.
Um homem sem medo de pedir ajuda e uma mulher sem medo de a recusar - apesar do caso envolver crianças e haver uma suposta expectativa de cedência ao instinto maternal - demonstra uma sociedade onde os papéis de género se equiparam sem censuras.
O elemento da Justiça vem do tema de investigação dela, pessoas vítimas condenadas por erros judiciais em casos violentos.
Com ele vem a noção de que há um trabalho de consciencialização histórica por fazer que assim permanece porque só casos de grande alarido merecem a pontual atenção pública para os problemas de um sistema de Justiça que não termina na investigação policial.
Os temas das suas investigações acabarão por coincidir num certo ponto, com a autora a querer dizer que há uma complementaridade entre Passado e Presente.
Naturalmente, também entre homem e mulher, levando a que Stubø e Vik se envolvam ainda que tal contrarie o instinto dela.
Ele não é um homem atraente nem cuidado, só que ele sabe que há entre eles matéria de relacionamento que poderá avançar do intelectual para o físico.
Curioso verificar que na componente policial há a inversão destes papéis, com ela a ser muito mais assertiva na sua análise e ele a acabar por recorrer ao instinto de detective calejado, ainda que tal não lhe seja natural.
A complementaridade é um dos temas de fundo do livro mas Holt não transforma o policial numa desculpa para um romance, tratando a relação dos dois quase longe do olhar do leitor.
A autora vai ao âmago da história, construíndo os seus personagens e a sua relação futura com uma economia que serve também um mistério de vida que nos lança na perseguição das próximas etapas desta dupla que equilibrará o profissional e o pessoal.
Há que reconhecer que essa economia transparece para a própria trama, não havendo a vivência excitante dos procedimentos.
Isso está compensado pelo que é uma perspectiva de reacção aos elementos que vão surgindo, com o leitor acompanhando o processo interno dos personagens.
Nada se desconjunta e o resultado é de grande satisfatação perante uma autora dominando o seu labor e oferecendo um policial, um estudo de personagens e uma lição de cultura Norueguesa.


Castigo (Anne Holt)
Contraponto
2ª edição - Outubro de 2009
270 páginas

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