sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Consistente imaginção

A caricatura é o tributo que a mediocridade oferece à genialidade.
Oscar Wilde
(em Oscar Wilde e os Crimes à Luz das Velas)


Pode muito bem ser que Oscar Wilde tivesse razão, ele que foi tão assolado pela praga da caricatura que se julgava mordaz.
Creio que ele teria algo mais positivo a dizer sobre uma representação que, em sentido inverso, carrega as características mais interessantes de alguém.
Esse é o caso dos livros de Gyles Brandreth em que Oscar Wilde é um detective de imenso poder de dedução mas ainda é mais o Oscar Wilde espirituoso que o torna um ícone eterno.
Antes mesmo dos seus dotes dedutivos, gostamos de acompanhar este Oscar Wilde-personagem pelos seus ditos acontecendo em situações correntes.
A aplicação apropriada de cada um deles a um momento de diálogo ou de avaliação da realidade, o que as torna ainda mais apreciáveis do que já são quando lidas sem contexto envolvente.
Até é pena que Oscar Wilde as tenha dito de facto, pois se as boutades provocatórias tivessem sido inventadas por Gyles Brandreth o seu génio criador seria ainda maior.
Ainda assim nada se pode apontar à forma como o autor integra Wilde e os seus pares - Arthur Conan Doyle e Bram Stoker - em tramas policiais rebuscadas e fascinantes, mas plausíveis na vida que Wilde levava.
Tal como o dissera acerca do primeiro livro desta saga que lera, Oscar Wilde continua a ser a origem e o fim dos mistérios em que se envolve.
Ele atrai esse género de situações à sua vida pública pelo tipo de pessoas que consegue agregar à volta da sua vida privada.
O que é maravilhoso nos casos que toma para resolver é que eles gravitam sempre em torno das suas presenças e decisões.
As investigações pertencem-lhe e é inevitável que ele tome controlo delas e dos restantes parceiros que parecem seus subordinados: Watsons mais ou menos servis ou opinativos.
Até porque, tal como eu dissera antes, este Oscar Wilde é um detective superior a Sherlock Holmes. Mas a sua existência como o absoluto dândi diletante não lhe permite ser tão eficaz quanto a criação do seu amigo, pelo que acaba por ser a inspiração para Mycroft Holmes.
Uma possibilidade divertidíssima e naturalíssima na perspectiva do que é a combinação de realidade e criação feita por Brandreth.
Se todas essas características dos livros os tornam altamente aprazíveis, é na forma como Gyles Brandreth se apropria dos estilos dos escritores que convoca como inspiração e personagens para os emular num resultado final que é seu, que os livros atingem um ponto de excelência.
Tal como fizera com Robert Louis Stevenson, faz agora com Bram Stoker e fará sempre com Arthur Conan Doyle.
A sua forma de escrever é a síntese da remissão da memória para esses escritores e o seu tempo e do lançamento da imaginação para as possibilidade que pouco arriscariam ver hoje.
O trabalho de Gyles Brandreth está entre o melhor que temos tido o privilégio de ler (dentro do género, se for estritamente necessário evitar discussões sobre o grau literário a que eles pertencem).
A cada história, o autor tem sido consistente na sua reinvenção da forma de a contar, o que o torna inconsistente tal como Oscar Wilde haveria de gostar e nós, leitores, temos o prazer de já o fazer.


A consistência, como bem sabe, é o último refúgio de todos aqueles que não têm imaginação.
Oscar Wilde
(em Oscar Wilde e os Crimes do Vampiro)


Oscar Wilde e os Crimes à Luz das Velas (Gyles Brandreth)
Publicações Europa-América
Sem indicação da edição - Junho de 2008
272 páginas


Oscar Wilde e os Crimes do Vampiro (Gyles Brandreth)
Publicações Europa-América
Sem indicação da edição - Março de 2011
336 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário