Há muito tempo atrás, ainda este blogue era imberbe, confessei que concedia a cada livro trinta páginas para provar que merecia ser lido - ou, pelo menos, para mostrar que haveria "Vida" nas que se seguiriam - antes de o rejeitar por completo.
No entanto tenho cada vez menos paciência para os livros que não conseguem sequer esconder a sua mediocridade. As trinta páginas estão agora reduzidas a uma dúzia e suspeito que este tipo de julgamentos comece a ser feito com um par de páginas apenas.
Já têm sido vários os livros que nem chego a abordar neste espaço porque a falta de vontade continua de os ler para deles escrever.
No caso deste livro de Teresa Lopes Vieira, pelo contrário, escrever sobre ele deve ser feito como levantamento de algumas hipóteses acerca d(est)a literatura.
O que se passa com O Albatroz é similar ao que se passava com Irmã, com as referências a marcas a virem tentar dar um sinal de ligação do mundo do livro ao mundo do leitor.
É também diferente, porque se nesse outro livro as marcas serviam como referências de descrição, aqui são mesmo matéria de actualidade com que os protagonistas interagem.
Ao fim de algumas páginas, Jesus vai ao YouTube (e não Youtube como a autora escreveu, mas não se perca tempo com isso) ouvir uns relaxing piano tunes (assim mesmo, em itálico, embora YouTube não surja da mesma forma).
Na página seguinte já abriu o site do Sapo Empregos só por descargo de consciência pois já não procura lá nada.
Finalmente (até onde fui capaz de ler, claro) confessa a estranheza de ver a sua irmã seminua na capa das revistas expostas nas bancas do Pingo Doce.
Preocupa, desde logo, que esta achega à actualidade no livro coloque em causa o seu entendimento futuro quando todas estas marcas não forem sequer uma memória.
No entanto a pergunta que tem de ser feita perante esta pequena recolha (e mais situações do género haveriam para incluir) é o porquê destas escolhas em particular.
Será que ser o Sapo Empregos o site escolhido em vez do Net Empregos ou do Expresso Emprego tem algum significado que contribui para o entendimento da personagem?
Será que Jesus ir ao Pingo Doce e não ao Jumbo ou à mercearia da sua rua nos diz das escolhas pessoais que este desempregado fez ao longo da sua vida?
Sem ser pela frase "O pequeno anfíbio verde na parte superior do ecrã propunha-lhe um mundo de oportunidades, nenhuma delas aliciante." não se encontram usos específicos das escolhas da autora.
A ideia que ela deixa - não importa que seja a verdade exacta - é a de que só sabe escrever com a imaginação que vai até onde a sua vida alcança; de que é a própria escritora que vai ao Pingo Doce e corre os olhos pelas capas das revistas sobre vidas alheias e que fica desapontada com as ofertas de trabalho disponíveis no site de emprego do Sapo.
Isso afecta todo o livro, dizendo dele que nasce apenas da experiência que a escritora é capaz de reproduzir por palavras e, por isso, não é nada além de um registo mais ou menos preciso - afinal, espera-se que haja, pelo menos, um toque de criação envolvido - da realidade.
Sobre essa criação levanta-se a dúvida quando se atenta à linguagem usada, sempre resvalando para o calão actual.
Essa espécie de realismo perseguido pela autora parece colocar de parte um dos fenómenos essenciais da Literatura, a de retrabalhar a Língua mesmo que seja para reforçar a percepção de que o que está escrito nasceu da coloquialidade.
Sintomático disso é o fragmento final de texto lido antes da recusa do livro: "mas já se estava a cagar.".
Sendo, pelo menos, a segunda vez que a expressão era usada nas páginas que ficaram para trás, fica como uma sentença definitiva para este leitor em particular no momento em que havia cerca de trezentas páginas para diante.
O Albatroz (Teresa Lopes Vieira)
Bertrand Editora
1ª edição - Julho de 2013
304 páginas
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