Se há um traço de Britanidade tornado tradição nos policiais é a exploração do crime no seio de um pequeno meio como retrato da personalidade comunitária do país.
Caroline Graham usufrui desse mesmo ambiente para o seu policial, criando uma aldeia para cenário do seu crime, mas indo mais longe com ela - ou levando a uma forma de modernidade o conceito de aldeia.
Se um crime numa aldeia provoca sempre uma revelação dos maus sentimentos calados entre vizinhos, a investigação deste crime revela uma realidade ainda mais tenebrosa.
Em Badger's Drift o crime maior, o de homicídio, revela quantos crimes acontecem quotidianamente com um consentimento social que não se esperaria de uma sociedade desenvolvida e conhecida pela sua etiqueta.
Voyeurismo, adultério ou maus tratos (psicológicos sobretudo) acontecem todos os dias nesta aldeia e a investigação policial tratará de os trazer ao de cima.
Além de os trazer ao de cima, beneficiará da vigilância perpretada entre vizinhos, o que apaga as linhas que deveriam separar a Lei do Crime.
De forma discreta, quase podendo ser vista de forma inocente - se uma senhora espia os vizinhos e isso permite resolver um crime, não é algo assim tão mau -, esse crime em particular define a polícia como uma extensão da própria comunidade.
Parte da inovação do livro está no tratamento da comunidade policial como outra aldeia em que os seus elementos cooperam, por vezes até se admiram, mas têm ainda assim uma relação plena de nuances e de opiniões mútuas pouco benevolentes no que respeita a aspectos de carácter
Desmistifica-se a fiabilidade de grupo da polícia britânica, que se tem um crédito de charme quanto à inteligência investigativa da Scotland Yard também teve de recorrer à força (como o governo de Margaret Thatcher tornou evidente).
Ao contrário das figuras geniais e solitárias - de certa forma, autistas funcionais - dos romances de Agatha Christie, aqui temos um (anti-)herói grupal como protagonista.
Apesar da investigação ser liderada pelo inspector-chefe Barnaby, o seu adjunto - o sargento Troy - tem um papel importante a desempenhar.
São duas personagens com personalidades próprias e bastante afectuosas em muitos aspectos, ao mesmo tempo que desvirtuam o perfil "clássico" do detective: Barnaby adora a mulher e aguenta-lhe os péssimos cozinhados enquanto espera pela oportunidade de comer na cantina, o que claramente faz dele um bom marido mas nunca um gastrónomo.
Já aquilo que Barnaby e Troy pensam um do outro fica longe de estar ao serviço de uma camaradagem e, uma vez por outra, de estar ao serviço do trabalho.
Fazem a parceria resultar, chegam mesmo a criar laços, mas há um clima de desconfiança pessoal instalada que nunca se apagará.
Talvez seja isso que ajude a parceria de trabalho a funcionar, como é a desconfiança privada que permite aos vizinhos darem-se uns com os outros em público. A polícia é um grupo de indivíduos que funciona como uma aldeia à sua própria escala.
Caroline Graham tratou de usar a tradição do policial para a trazer a um futuro onde a moralidade estava menos bem definida, mas sobretudo para fazer de Badger's Drift uma visão da aldeia chamada Reino Unido - e, se quisermos pensar assim, da aldeia global - onde as aparências sempre esconderam e sempre esconderão razões diárias para chamar a polícia.
O homicídio é apenas a razão que não se pode deixar escondida num sótão, num jardim ou numa sacristia...
Morte na Aldeia (Caroline Graham)
Edições Asa
1ª edição - Abril de 2013
312 páginas
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