São vários os exemplos de obras que tratam a História de um lugar através de uma sequência de datas e nomes assentes narrativas quebrantadas.
Este é o exemplo contrário, das possibilidades que se apresentam a quem saiba encontrar o nicho de relação pessoal com qualquer tema.
Assim faz João Paulo Cotrim, escrevendo uma história que aproveita esses "maus" exemplos como matéria de reflexão da própria percepção da História a partir de uma relação pessoal com ela.
Uma história pensante mas também poética, capaz de integrar os detalhes históricos e as figuras de relevo sem abdicar de uma identidade vincada. Pessoalíssima mas dada aos outros - com predominância para os próprios habitantes de Portimão.
Entramos nesta história pelos olhos - e pela mente - de um fotógrafo, personagem que se torna na figuração da memória perseguida.
A sua visão da cidade é uma que combina registo e sonho, algo que o fotógrafo materializa em recriações populares de outras Eras que respondam à sua vontade de guardar em foto momentos que nunca poderia ter presenciado.
O devir da cidade concentra-se num único momento e a passagem entre o Passado e o Presente torna-se perpétuo através do fotógrafo.
A História de Portimão é um conjunto de estórias, o que pela mão do fotógrafo se faz por via de uma série de acasos captados na rua, uma história popular feita de visões deste homem em particular.
A captação da essência eterna do instante que é feita pela câmara reforça toda essa sensação e as representações de Miguel Rocha aproximam-se de uma representação fotográfica.
Acrescentam-lhe algo de substancial, um leque riquíssimo de cores, sempre acolhedoras numa intimidade alheia que pode ser, afinal de todos.
O acompanhamento gráfico mais interessante que ele proporciona às intenções de João Paulo Cotrim vem de algo distinto: a exploração de uma estrutura de traços adensada pela sobreposição.
É um trabalho de textura, quase um tecido, que distingue cada elemento enquanto os equaliza: vento, nuvens ou luz.
Na prancha desdobrável que uso para ilustrar esta recensão, a técnica atinge o máximo do pictórico, respresentando a rebentação das ondas mas, igualmente, o que resta do flash (que precedia esse quadro de quatro páginas) quando se dispersa.
Um resumo eloquente do momento em que a máquina tenta imobilizar a realidade e esta se move em direcção a mais uma transformação.
Estamos perante o facto da cidade ser movimento e confluência, não se resume nem a sua cronologia se sequencia de forma simplista. Tudo nela existe em simultâneo e reune-se naqueles detalhes que chamam a atenção do protagonista.
Por isso o fotógrafo, farto da história fabricada - casamentos, baptizados ou inaugurações em que todos posam para a lente -, tenta fabricar momentos históricos.
Momentos que respondam a memórias que ele não tem e que nascem em sonhos que o visitam. O fotógrafo tenta submeter às regras da sua profissão a imprevisibilidade da vida de uma cidade.
Ainda assim nada supera o acaso do encontro entre vida que passa e câmara que ali está, como o próprio texto frisa: O fotógrafo estava lá. CLIC!
A Noiva que o rio disputa ao mar (João Paulo Cotrim e Miguel Rocha)
Câmara Municipal de Portimão
Sem indicação da edição - Dezembro de 2009
128 páginas
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