Esta crítica não pretende colocar em causa a importância dos anos em que Pinochet dominou sobre o Chile. Ou a importância de se cultivar a memória de tais anos, dos muitos e cruéis actos perpretados pelo general no poder.
Aliás, como o post de abertura já indiciava e mais de três anos de escrita têm ajudado a compreender, não há frase mais acertada sobre o acto de escrever enquanto registo primordial da memória e, mais importante ainda, da memória colectiva do que aquela que abre a sinopse na contracapa: Escrevo porque tenho memória e a cultivo escrevendo...
Não poderia, pois, vir contrariar a necessidade de se ler este livro até ao fim. O que não é o mesmo que dizer que seja aprazível fazê-lo.
Não se trata de sofrer perante a imagem das muitas vítimas - que ganham o direito a ser representadas pela figura "palpável" do jovem Oscar Lagos Ríos - mas antes perante a própria formação do livro.
A compilação dos artigos que Sepúlveda escreveu durante três anos, para vários jornais tanto na América do Sul como na Europa, funciona mal como livro pois fica à mostra uma repetição que cansa o leitor, por mais que este queira respeitar a importância que possa reconhecer ao livro.
O facto dos artigos terem sido escritos num intervalo tão breve e para tantos públicos diferentes obrigou a que o escritor recorresse à mesma informação por várias vezes, nem sempre de maneiras distintas entre si.
O seu tema era apenas um, Pinochet (de forma directa ou não), tal como o seu objectivo era apenas um, consciencialização.
Os vinte e dois artigos aqui reunidos vão dando conta de outros detalhes, sobre o Chile e sobre o próprio autor sobretudo, mas as suas muitas páginas começam a parecer-se com um discurso repetido vezes sem conta, apenas modificado na sua forma para melhor se adaptar a cada local onde seria revelado.
Resta pois uma ideia incomodativa sobre o livro que alerta para o 30º aniversário do Golpe de Estado de Pinochet, que no final de contas foi uma decisão de negócios.
Artigos e autores relevantes que tenham escrito sobre a ditadura de Pinochet terão sido vários ao longo dessas décadas.
Mas apenas este escritor vende substancialmente em Itália, Portugal, Grécia e França (os países onde o livro foi editado simultaneamente, algo anunciado com refoço na contracapa).
Fica o esclarecimento sobre o mundo actual pela memória de um tempo passado: tudo se transforma em negócio.
O General e o Juíz (Luis Sepúlveda)
Edições Asa
3ª edição - Outubro de 2003
96 páginas
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