terça-feira, 21 de julho de 2015

Realmente não havia pressa

Depois de muitos anos colocado na prateleira, foi a adaptação ao cinema que me fez pegar em A Humilhação.
Não houve razão concreta para este atraso e, como ficou provado na pressa de ler o livro antes de ver o filme, foi muito pouco o tempo que gastei nesta leitura.
Já a poderia ter feito há muito, mas que o tenha feito agora foi útil, pois verifiquei que o filme de Barry Levinson soube melhor tratar os temas que verdadeiramente interessam neste livro.
O filme ajudou a perceber o falhanço do livro e esse auxiliar foi importante contra um Philip Roth que continua a escrever com descrição intensa num registo livre de adornos - e, com isso, seduz o leitor mesmo em livros menores.
Gosta-se do pressuposto, de que um homem perde a sua razão de ser quando a idade o atinge e lhe rouba a expressão dramática de que era mestre.
Gosta-se da conclusão, previsível que possa ser, de que no palco o homem pode recuperar o domínio sobre a sua existência ainda que não sobre a arte a que se dedicava.
O problema está no que leva de um ponto ao outro, uma espécie de ascensão e queda que o leva da desistência a uma nova tentativa e que, depreende-se, repete e resume - concentrada no tempo - a carreira do personagem central, Simon Axler.
Mais importante teria sido conhecer essa carreira, pois quase qualquer razão teria acabado por servir para o fazer regressar aos palcos depois de afirmar que se desligara deles para sempre por já não ter a Arte em si.
Philip Roth prefere antes confundir a falência do talento com a falência da masculinidade e assim torna Simon num velho homem com uma jovem amante.
Uma amante que era lésbica até aí, que ainda é perseguida pela sua anterior amante, que se parece transformar na mais ousada heterossexual à face da Terra...
Simon começa por transformá-la de maria rapaz em mulher fatal. Depois quebra-se-lhe o coração quando ela parte.
Tal como o seu talento falhara em palco, agora a sua virilidade falha em privado.
Se o talento era o maior da sua geração, que dizer do seu pénis, que preenchia Pegeen como nenhum dildo o fizera?
Tal como na arte teatral em que Simon Axler se afirmou, assim Roth faz do seu livro uma peça em três actos.
Não há subtileza nenhuma nesta constatação, como não houve na intenção do autor. Afinal a terceira parte do livro intitiula-se O Último Acto!
Se os seus personagens estavam aqui a interpretar papéis, todos eles foram escritos com base em lugares-comuns de quem só conhece as pessoas de uma leitura excessiva dos seus derivados ficcionais.
O caricato é que nesses papéis Roth até reafirma, de forma acidental, a perda da masculinidade do protagonista.
É ele que tenta transformar a amante em algo que ela não era e que depois é surpreendido e arrasado pela sua partida quando ela percebe valer mais do que o seu amante - que ela escolheu por ser mais velho e, daí, um "macho" pouco ameaçador para a sua transição.
Não é este o preconceito que se costuma associar às mulheres, de que tentam transformar os homens à imagem do que querem apenas para ficarem submissas deles?
Talvez fosse para encontrar aí ironia, como no facto de ser na concretização da grande fantasia masculina, um ménage à trois com duas mulheres, que Pegeen regressa à sua anterior orientação sexual.
Parecem antes velhas piadas recuperadas para constatar o ridículo do que Philip Roth fez neste livro, não fosse o leitor deixar passar algum dos muitos absurdos da peça central do romance.
Que tenha chamado A Transformação a esse segundo acto inteiramente sobre a vida sexual leva-nos a perguntar se não estava a descrever aquilo que fez com a história, abdicando por completo do tema com que a iniciou para escrever sobre algo mais do seu agrado - o que torna difícil ligar o início e o fim do livro, que fariam todo o sentido juntos.
Não vou afirmar que sejam as fantasias de um velho reaccionário que vive (e se expressa) através das suas personagens, mas creio que serão muitos a lê-las como tal.
Pensando que foi este o texto que esteve tantos anos na prateleira à espera, não vejo que tenha perdido muito por não o ler mais cedo.
Agora fico a perguntar-me se devo ler Nemesis desde já ou se devo deixá-lo ficar na prateleira mais tempo e não ser desapontado tão cedo.


A Humilhação (Philip Roth)
Publicações Dom Quixote
2ª edição - Abril de 2011
128 páginas

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