Um pai encobre o facto do seu filho adolescente, sem carta e tendo consigo erva ter atropelado uma rapariga.
Na tentativa de refazer a relação com o filho, permitiu-se o descuido de o deixar guiar, que a sua mulher muito censuraria. Ela está prestes a ascender à posição de juíza federal.
Não antes que o FBI lhe vasculhe a vida para se certificar que a história daquela família é imaculada!
Por um bom terço deste livro Lisa Scottoline parece usar o cenário de coincidências exageradas - telenovelescas, que é como quem diz da má ficção - para preparar terreno a uma visão da fractura marital num cenário extremo.
Nesta altura é mais difícil aceitar algumas das decisões do pai do que a probabilidade dos eventos coincidirem no tempo.
Fica-se porque há a expectativa de um cenário em que o adolescente quer confessar o que fez e toma decisões irreflectidas, o pai quer sacrificar a sua consciência para dar um futuro tanto ao filho como à mulher e ela é mantida na ignorância tentando garantir para ela a normalidade que os investigadores devem encontrar.
Um jogo potencialmente curioso que, dentro da mesma casa e numa comunidade pequena, tem tudo para se valer de uma claustrofobia que projecta o que de mais psicopático há nos elementos masculinos de uma família.
Não é por aí que o livro segue, antes começando a acrescentar elementos que o encaminham para algo diferente.
Descobre-se que a rapariga era colega do condutor e logo surge em cena uma chantagem feita ao pai por alguém que tem provas do que aconteceu, com o pai e chantagista a perseguirem-se mutuamente.
Quando a mulher descobre o que aconteceu, uma antiga traição que ela cometeu surge como o segredo que a torna menos digna de censurar o marido.
O que daí resulta é uma fachada, normalidade a cobrir o poço de ódio que se gerou, um casamento que é mantido em nome do filho.
Ganha papel principal a racionalidade da mãe, que entretanto abdica da sua promoção, e planeia sistematicamente os passos a dar para lidar com a chantagem e não perder a liberdade do filho.
Nessa altura o grau de coincidências vai para lá do absurdo que pensávamos já ter atingido e o chantagista aparece morto (talvez tenha sido a mãe...) porque era um voyeur da adolescente atropelada e tinha provas de que ela mantinha um caso com um homem mais velho.
Em pleno modo thriller, o livro continua adiante sem voltar a abrandar para reflectir numa devida construção, trata apenas de atirar elementos novos sobre os que já lá estão.
O desenlace é implausível ao jeito de cada vez mais thrillers, com um grande confronto onde tudo é explicado e cada interveniente sofre ainda mais um pouco.
Já a resolução que vem depois disso é pior de tão preguiçosa. A autora apresenta uma nova situação surgida sem que nenhuma pista para ela fosse apresentada até aí.
Um final feliz para a família que leva uma reguada, só para não sobreviver sem consequências, mas tem direito a reconstruir a sua relação e olhar o futuro com ânimo.
O final simplesmente afirma que nada do que se leu sobre as personagens interessou, acontecesse o que acontecesse iriam estar unidos, vivendo com menos posses mas desfrutando mais da companhia mútua.
Claro que, como a autora não se esforçou na caracterização dos elementos da família, pouca empatia se criara antes disso e a desilusão é nenhuma.
Cada um deles pode reduzir-se à grande decisão que toma, o que os torna em elementos funcionais do livro e não em personagens.
Elementos pouco funcionais, note-se, como a própria escrita que é indistinta de qualquer outra dos que escrevem este género de ficção.
Os diálogos ora estão no limite do aceitável ora se tornam ridículos e as suas descrições podem ser quase integralmente ignoradas sem que se perca atmosfera ou psicologia.
Espanta-me saber que Lisa Scottoline ganhou um Edgar Award, tão mau é o seu domínio do mistério.
Sendo um prémio de vinte anos antes deste livro só posso concluir que a autora se foi enredando num fabrico regular mas não metódico de bestsellers.
Desconfio que com esta escolha, talvez a pensar que pode capitalizar no estilo de sucesso de Gillian Flyn em mostrar o lado tenebroso de todos, Lisa Scottoline teve o seu primeiro e último livro traduzido para Língua Portuguesa.
Não Contes Nada (Lisa Scottoline)
Bertrand Editora
1ª edição - Julho de 2015
344 páginas
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