O Animé e o Manga são motivo de fascínio para quase todos, mesmo que se resuma às obras dos estúdios Ghibli.
Por isso esta partida para o Japão de Peter Carey em nome da comunhão com o seu filho dos códigos dessas expressões artísticas só pode ser uma escolha de leitura imediata.
Decisão reforçada, no caso pessoal, pelo facto de ser este um escritor pelo qual nutria um interesse já longínquo. E bastou um capítulo para reconhecer o talento que sempre vi ser-lhe gabado.
Carey é um ocidental inteligente no Japão, com ideias próprias acerca do que vê nos filmes e nas séries Japonesas.
O seu espírito vai disposto à descoberta mas já contaminado por uma vontade de reflectir.
O embate é imediato, descobrindo ele que em parte a sua visão das ligações do subtexto de Blood - O Último Vampiro (a boa tradução devia ter-se esmerado em procurar os títulos nacionais das obras) não passa de um erro de conhecimento da Língua Japonesa.
Depois virão as discussões sobre Mobile Suit Gundam em que Peter Carey projecta muitas visões sobre a guerra que lhe vão sendo sempre rebatidas.
Em vez de um grande significado de memória pós-Guerra a série foi feita para vender robôs de brinquedo.
Em vez de representar o isolamento das crianças em tempo de guerra, quando estas pilotam os seus robôs estão no ventre materno, protegidos mas também sensíveis ao impacto exterior.
Torna-se evidente o enorme problema de comunicação entre povos. Quase impossível perscrutar a cultura Japonesa, também porque eles se recusam a desenvolver as suas ideias perante o autor - respostas lacónicas ou simples negações das ideias que Carey já traz consigo.
Ao rever O Meu Vizinho Totoro com alguém que lho possa comentar, o resultado só reforça tal percepção. A sessão termina com apenas um terço do filme visto e com, adivinha-se, muito mais comentários do que aqueles relatados.
O que descobrimos é que só uma vivência profunda do Japão nos permite entender tudo o que se mostra nas imagens e que está escondido apenas para quem não tem os códigos culturais de leitura.
No entanto o livro deixa também a certeza que é justo que se coloque nestas obras a nossa deslocada experiência. Afinal Hayao Miyazaki diz ao autor que o mais importante é a imaginação e se esta desenvolver para lá dos significados que o realizador imputa, tal não deverá estar errado.
Peter Carey não se limita a Animé e o Manga. Visita e escreve sobre Kabuki, forja de espadas ou a dificuldade em definir otaku.
Isto torna a experiência mais rica e reforça a ideia de que o Japão continuará, de forma transversal, uma incógnita para forasteiros, por mais que o estudemos.
Em contraponto e complemento, o livro de Porfírio Silva é bastante mais detalhado na descrição de conceitos e eventos Japoneses.
Um guia que vai da religião à política ou que se preocupa com os ínfinos detalhes de como se prepara uma refeição transportável.
Trata-se de um guia encaminhador e facilitador por quem teve tempo de começar a viver o Japão e não apenas de percorrê-lo.
A parti de um ponto o autor já tem até a percepção dos detalhes sociais - transportes ou sanitários públicos - e interroga-se acerca das regras (escritas ou não) lá assumidas e que fazem pouco sentido a um ocidental na sua discrepância interna (de sensibilidades) quase irreconciliável.
Isto vai de encontro à descoberta feita por Peter Carey e, por muito que Porfírio Silva experimente e nos transmita as vivências locais, estas estão limitadas.
Um teatro Kabuki tem legendagem inglesa para que os restantes não sejam invadidos por estrangeiros.
Partes dos rituais religiosos têm folhetos em diversas línguas para que as restantes componentes sejam preservadas.
Parece evidente que nesta abertura controlada a visitantes os Japoneses resgauardam a sua existência e identidade.
Creio que a introdução aqui conseguida é já causa de um olhar enriquecido que dificilmente teríamos de outra forma. Infelizmente as fotogradias que acompanham o texto não estão tratadas com a qualidade necessária - do tamanho de reprodução ao enquadramente.
As referências à robótica - parte do trabalho do autor - são interessantíssimas e deixam a vontade de leituras (técnicas) adicionais pois o tema já tem sido escrutinado dentro e fora da ficção e tem com Porfírio Silva um importante grau de aprofundamento.
O facto da abordagem à robótica no Japão ser tão singular deverá servir como mais uma porta de entrada para o mistério que é o Japão.
Mesmo se, como disseram a Peter Carey, metade do conhecimento é pior do que a incompreensão total, não se pode deixar de tentar saber mais sobre o Japão.
O Japão é um Lugar Estranho (Peter Carey)
Tinta da China
Sem Indicação da edição - Setembro de 2010
176 páginas
Caderno de Tóquio (Porfírio Silva)
Esfera do Caos
1ª edição - Abril de 2015
224 páginas
Obrigado pela crítica atenta.
ResponderEliminarPorfírio Silva