terça-feira, 21 de agosto de 2012

Tudo se esgota

Noutro Agosto elogiei Jonathan Santlofer por ter conseguido aliar o seu trabalho como artista plástico ao seu trabalho como escritor de thrillers.
Sentia-me preparado para voltar a fazê-lo com este livro em que o protagonista trabalha com a polícia fazendo retratos forenses - e, também, como detective.
Sobretudo porque a inclusão dos desenhos dos suspeitos pareciam naturais, acabando por fazer a ponte entre a leitura e um mundo onde a imagética reina.
Nem sequer se podia acusar o autor de qualquer preguiça em que o desenho evitava a descrição do mesmo sujeito, visto que o processo de descrição do mesmo por parte das testemunhas está lá à mesma.
Apercebi-me que não poderia fazê-lo a meio do livro quando as ilustrações já deixaram de ser um elemento integrante da história e passaram a ser o acompanhamento do texto.
De tal forma se dá essa transformação que, já perto do fim, no capítulo 60, de três páginas uma está ocupada com o desenho de uma mão agarrada ao corrimão de uma escada e outra com o desenho de uma sala na qual entra um feixe de luz ao abrir-se uma porta.
Não se trata somente dessa ilustração redundante. Trata-se também de encarar que Santlofer dá a impressão de recorrer sempre ao mesmo método de relacionar elementos do livro por via do desenho.
Várias das suas vítimas/dos seus culpados - dicotomia gerida com algum interesse, já agora - passam o tempo a rabiscar elementos idênticos em folhas soltas, gerando um padrão que o detective do livro pode seguir.
Parece haver uma limitação do autor - parcialmente desmentida pelo restante que faz com a trama - que tem de recorrer aos desenhos para avançar em direcção ao ponto em que os vários fios da trama se unem, tal como no outro seu livro que li e que era protagonizado por uma personagem totalmente distinta.
Tais desenhos, como vários outros representando fachadas de prédios que o detective tem de visitar, acabam por desintegrar o papel dos desenhos no livro por terem origem no autor e não na sua personagem - algo que não acontece com os desenhos forenses (e, apenas parcialmente, com os desenhos que explicam o processo de reconstituição de um rosto através do seu crânio).
Tudo porque o personagem principal recusa-se (um pouco tolamente na minha opinião) a exercitar o seu talento de forma artística, obrigando-se a produzir apenas trabalhos com uma finalidade policial.
A harmonização de todo o tipo de ilustrações com o texto corrido seria simples se o detective transportasse consigo um bloco onde fizesse esquissos dos elementos que observa enquanto, por exemplo, vigia um suspeito.
Todo o tipo de informação que poderia encontrar mais tarde nesses esquissos - e que a visão momentânea não permite detectar - fariam avançar a trama da forma e no tempo que o autor pretendesse e este acabaria com uma natural autorização para aumentar o número de ilustrações em cada livro.
Parece-me que toda esta análise seria importante - e urgente para livros futuros - se feita pelo próprio autor, até porque tal uso do desenho desvia a atenção do essencial do livro: a história.
Pouco mais apetece dizer depois de tão longamente ter tratado tais elementos. A história é interessante e bem urdida em torno de uma vontade clara do autor de fazer a denúncia do falhanço que os próprios Estados Unidos da América têm tido na atenção dada aos seus soldados após as guerras em que participam e na atenção dada aos limites que devem impor à pesquisa que patrocinam de forma a tornar esses soldados mais resistentes.
A história acaba por envolver elementos que a tornam mais interessante, o que acaba por também esconder algum exagero de caracterização do próprio protagonista, impedindo que uma personalidade unívoca se apresente.
Falo da adição que o autor faz, às capacidades de desenho de Nate Rodriguez, de uma herdada capacidade sobrenatural para visões e de uma memória infalível para todas as caras que observou.
Talvez essas sejam capacidades úteis para um desenhista, mas ameaçam tornar redundante todos os actos convencionais de investigação.
Tal versatilidade imagética acaba por esgotar os seus bons efeitos e, ao que parece, desviar a própria atenção do autor da forma mais eficaz de executar aquilo a que se propõe.


O Caderno da Morte (Jonathan Santlofer)
Editorial Presença
1ª edição - Outubro de 2011
376 páginas

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