Ao fim de três livros é inevitável começar a compreender que Mo Hayder tem uma linha contínua para servir os seus progressos literários em torno de Jack Caffery e Flea Marley que se foca no romance atribulado que se vai desenvolvendo entre ambos.
Essa leva a que as suas presenças tenham sempre de surgir em paralelo o que leva a que passem o tempo separados – como no livro anterior – ou que a investigação acabe sempre por envolver um passo que recorra à especificidade do trabalho de Flea.
Torna-se pois num traço essencial que percorre a série de livros da autora, mas também um traço de apoio em cada livro que desaparece à medida que outros são inscritos em torno dele.
Nessa tarefa, está a verdadeira qualidade de Mo Hayder que cria estruturas ricas – e, acima de tudo, policialmente capazes – que encobrem essa armadilha que criou para si mesma em Ritual. Pois se neste livro as tarefas de ambos os protagonistas voltam a estar sintonizadas na mesma investigação, temperadas por personalidades muito distintas, ainda não encontraram a lógica harmoniosa que tinham nesse primeiro volume.
Isso prova-se pela surpresa que Mo Hayder consegue produzir quando se receia que ela tenha aderido à moda de um tema cada vez mais comum entre os policiais e os romances publicados um pouco por toda a parte – a pedofilia – ou de que se tenha embrulhado demais em elaborações narrativas deixando a segunda metade do livro apenas para “encher páginas” num estilo de thriller pouco interessante.
Na verdade, Mo Hayder volta a mostrar o quão fiel é aos modelos clássicos de policiais, dispostos a esconder os seus melhores trunfos até ao final sem terem de roubar ao leitor o gosto de encarar desenvolvimentos fortes até lá.
Começa desde logo pela maneira como a autora usa a ameaça da pedofilia – iniciada pelo rapto de algumas crianças – apenas para revirar tal premissa e dar conta de outro género de negro potencial humano, o da vingança. O desaparecimento das crianças e o que lhes terá acontecido depois é usado no estilo do terror sugerido e não nomeado, até por se relacionar directamente com acontecimentos da juventude de Caffery que muito contribuem para o definir como personagem e como investigador.
Neste caso específico afectando directamente a investigação e proporcionando mais um mergulho no ambiente dúbio que o poder atribuído a um agente policial cria socialmente.
Abordar mais longamente o tema deste caso particular é arriscar fazer revelações sobre o enredo, pelo que aproveito para regressar aos protagonistas.
O que Mo Hayder faz com Flea e Jack – à parte as funções mais perigosas exercidas por ela – enquanto protagonistas é dividir o género de progressos na investigação entre os que dependem de uma lógica ponderada que, à falta de inspiração, podem comprometer vidas (senão mesmo o desfecho da investigação) e os que dependem de uma impulsividade desajuizada que contribuem em muito para a investigação mas perigam a vida de Flea e da sua equipa.
Inseridos na investigação ficam os traços que caracterizam os dois personagens e que definem aquilo que continua a fazê-los confrontarem-se profissionalmente e atraírem-se pessoalmente.
Esta bicefalia de feitios permite complicar a investigação, tornando-a mais errática em certos momentos e fazendo-a dependente tanto da acção como da dedução. E, sobretudo, leva à explosão do confronto de personalidades funcionando dentro do ambiente de trabalho onde o falhanço parece ser o mais habitual estado de coisas.
Isso continua a levar à exploração da história contínua que Mo Hayder estabeleceu desde o primeiro volume e que continua a testar os limites do justo e do indevido entre a classe policial quando afectada por afectos pessoais.
Com tudo isto, contrariando o que o embrulho do texto nos fazia crer, Perdida é uma óptima leitura que não aceita os lugares-comuns.
Falta apenas compreender – o que também ajuda a permanecer fisgado nesta leitura – que papel vai ter o Andarilho (personagem que dá nome à saga e que é uma espécie de mentor de Caffery) no final desta história.
Perdida (Mo Hayder)
Publicações Europa-América
Sem indicação da edição - Agosto de 2011
396 páginas
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