Confessemo-nos desde já. Se estive a ler isto é porque sou seguidor atento da série Mad Men. E se está a ler isto é porque é seguidor atento da série Mad Men e quer descobrir se vale a pena ler o livro.
Começo, então, pela inevitável comparação para aqueles que sintam que têm locais melhores onde gastar o seu tempo.
A série tem um apelo malicioso que vem do drama e daquela personagem absolutamente inesquecível que é Don Draper. O livro tem muito menos glamour do que a série mas compensa-o com uma sinceridade de sentido crítico que não poupa nem o mundo em que se insere nem quem por lá se move. Não que isso esteja ausente da série, mas é trabalhado de uma forma mais discreta e integrada com o restante que precisa de lá estar para criar um enredo que sustente cinco temporadas (até agora).
O livro de Jerry Della Femina - um nome excepcional que alguém teria de ter inventado se não existisse de verdade - é um manual sobre o mundo da publicidade com muito menos restrições.
O seu foco são as histórias absurdas que descrevem como as pessoas se comportavam pelos corredores de uma indústria em mudança, com os "malucos da criatividade" a perturbarem a seriedade das agência seculares.
Há lições claras a serem retiradas - removendo o ambiente datado - sobre o que se deve esperar do mundo publicitário se nele se pretender estar.
E há lições a retirar sobre aquele período específico, sobre o que a série não nos pode mostrar porque afectaria o glamour que é a sua imagem de marca. Essas lições são aquelas que tornam o livro num suceder de gargalhadas sonoras - tentei conter algumas que adivinhava chegarem e não consegui, outras foram uma surpresa total até ao momento em que uma certa expressão surgia impressa.
No fundo resume-se tudo a um desequilíbrio permanente entre o emprego e a criatividade. Aqueles que mais sobem (mais ganham) tendem a estar tão amedrontados em perder uma conta que só apresentam trabalhos seguros que sejam exactamente aquilo que o cliente já tem. Deixam de arriscar e tornam-se chatos e estão mais perto de perder o emprego.
Havia que ter estômago para aguentar o receio permanente, sobretudo com tantos almoços de três Martinis a acompanhar.
Della Femina não só tinha esse estômago, como tinha estômago para continuar a arriscar e ainda vir a público revelar os dislates a que assistia de posição privilegiada.
Isso torna o livro numa preciosidade para inspirar os menos ortodoxos a atirarem-se ao mundo da publicidade mas, sobretudo, para fazer rir todos os que o lerem.
O efeito que tanto riso provoca é a capacidade de perdoar as falhas deste volume enquanto livro, visto que lhe falta uma linha narrativa consistente que interligue as várias histórias e evite a quantidade de repetições que vão surgindo.
O mais grave, para os não iniciados, é a falta de contextualização sobre o mundo publicitário daquela altura. Biografias das agências citadas e umas páginas centrais com os anúncios mais importantes entre os citados - estes da Volkswagen, por exemplo - teriam tornado o volume muito mais compreensível para um público que só sabe de publicidade por via do que a série lhe mostrou e, provavelmente, indispensável na prateleira de quem trabalha no meio.
Creio que faltou criar uma parceria entre o tradutor e um publicitário com uma sólida formação sobre as "origens" do seu trabalho para levar a edição a um outro patamar.
Estamos num momento em que a publicidade é um tema muito em foco, o interesse pela criativadade que gera a ser aumentado pela série e a ser reflectido por vários artigos que surgem de forma regular na imprensa (Diário de Notícias e i, pelo menos) ou pelo livro que a Taschen dedicou àquela época, Mid-Century Ads: Advertising from the Mad Men Era.
Por isso, os interessados - na série, no tema e no livro - estarão mais preparados e serão mais exigentes com a edição para a qual não basta um conteúdo do melhor descaramento.
O Último dos Mad Men (Jerry Della Femina)
Civilização Editora
1ª edição - Abril de 2011
256 páginas
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