Tinha catorze anos quando li O Diário Secreto de Adrian Mole aos 13 anos e 3/4, uma prenda que acharam cair perfeitamente num leitor completando aquela idade.
Não gostei na altura e não voltei a querer saber do personagem, mas entretanto já tinha pensado se não seria tempo de rever essa minha posição. Afinal a personagem celebrava quarenta anos de existência literária, tendo envelhecido ao longo de quase uma dezena de livros e isso deveria significar que algo de bom ali estava contido.
Este The Queen and I só veio reforçar essa ideia de haver algo a encontrar nesse livro de há muitos anos atrás. Algo só perceptível numa idade mais avançada, mais informada e mais interessada.
Aqui temos um livro que se usa a Família Real para retratar o outro lado do Reino Unido, o dos bairros e do Estado sociais.
A Família Real deixou de o ser e terá de viver na base de um rendimento de subsistência que o Governo lhe garante - só porque ninguém passa fome no Reino Unido Republicano.
O livro tomará em mãos o direito a crítica de todo o sistema político da altura, com destaque para os erros da forma como a subsidiação era usada pelos que a atribuem e pelos que a recebem.
Uma crítica que permanece actual, tal como a da governação utópica que, por uma vez, cumpre todas as promessas que animarão o povo sem ponderação daquilo que é sustentável.
Um país à mercê das crenças ingénuas de um governo que se mostra a reunir na cozinha durante o pequeno-almoço e que diz que não haverá nem Rei nem Presidente pois cada e todo o cidadão será a figura de topo do Estado.
Sue Townsend parece reaccionária até que revele o seu golpe final. Na ânsia de dar ao povo aquilo que o povo deve ter - sobe pensões ao mesmo tempo que diminui o custo dos transportes, entre outras medidas populares mas desmedidas - o primeiro ministro endivida de tal forma o país que tem de o entregar ao seu credor, o Imperador do Japão. E logo o Reino Unido volta a fazer parte de um Império onde o Sol nunca se põe!
As conclusões que se tiram do livro dão para fazer paralelos com o Presente, sendo ainda mais interessantes quando analisadas pela informação que nos dão do Passado de uma forma humorada que está mais próxima do pensamento dito mundano.
Naquele período pós Thatcher havia pois um desejo de contrariar a severidade das medidas aplicadas a um ponto tal que se retiraria o país das mãos de uns priveligiados para o dar a outros.
O tema político ganha ascensão sobre a narrativa à medida que o livro avança e fá-lo perder uma certa graciosidade que a primeira parte tem.
Uma primeira parte mais dedicada à transição pessoal dos membros da Família Real, do contentamento de Carlos ao abatimento de Filipe.
O gigantismo que tem de ser encaixado no espaço exíguo das suas novas vidas proporciona momentos delirantes onde uma verdadeira humanização das figuras que ainda por estes dias vemos exploradas e expostas com cada vez menos respeito em aspectos das suas vidas que são perfeitamente comuns, embora continuem a ser idolatradas nos momentos em que os seus costumes opulentos fazem outros sonhar.
Há uma meritória capacidade de Sue Townsend de tornar a Família Real num conjunto de personagens merecedoras de compaixão perante aquilo que as acabam de fazer sofrer e perante aquilo que tiveram de sofrer - sobretudo a própria Raínha - no tempo em que não podiam ser figuras anónimas.
Claro que, por mais divertida que seja toda a ideia do livro, ela acaba por assentar em bases muito periclitantes. É necessário aceitar ser-se crédulo para não discutir a implausibilidade da Família Real acabar nas condições que acaba e não num feliz exílio noutro país qualquer.
Mesmo assim, resulta na maior parte do tempo pelo inevitável gosto subversivo que proporciona, sobretudo por imaginarmos que a própria Raínha terá dado uma vista de olhos ao livro e visto-se no papel ingrato de pedinchar dinheiro da Segurança Social para alimentar o seu cão ou comprar ossos no talho para cozinhar uma canja ao marido que se recusa comer.
No final, a única certeza vem do primeiro capítulo, a Raínha não acabará realmente fora do trono, nem sequer na ficção. Sue Townsend arrasta-a um pouco pelo lado menos belo do Reino Unido mas assegura-se que ela permanece a salvo no final.
Porque ela é, afinal, inglesa e, como a maioria, pode regozijar-se com a ideia de deixar de viver numa Monarquia mas continua a mostrar o devido respeito que a líder do Império atrai dos seus súbditos!
The Queen and I (Sue Townsend)
Mandarin Paperbacks
20ª edição - 1997
320 páginas
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