Depois de uma única e isolada leitura de entre a obra de Pedro Garcia Rosado, dediquei-me à sua mais recente criação com afinco.
Eis-me perante o ex-inspector Gabriel Ponte, promissora personagem que alia as excelentes capacidades de investigação a um passado maculado, dicotomia própria de uma figura de noir.
A grande dúvida sobre o seu carácter é a causa do seu afastamento da Polícia Judiciária e aquilo que o distingue do mero polícia reformado.
E embora não seja uma mulher fatal a vir bater à sua porta e a requisitar os seus serviços, o triângulo amoroso irresolvido entre a sua ex-mulher e a sua ex-amante não deixam de vincar ainda mais a linhagem de Ponte entre alguns dos que se tornaram do mais detectives privados da literatura.
Com o interesse adicional da sua ex-mulher ser a inspectora responsável pelo caso e a sua ex-amante ser uma jornalista atrás do mesmo tema.
Se Portugal não possui o atractivo dos cenários Nova Iorquinos para que o autor se aproprie do noir, a opção por este retrato do "Portugalzinho", uma aldeia de dez milhões de habitantes, é a segunda melhor opção.
Como este país é pequeno! E, por isso, o círculo de personagens não tem como não se conhecer e como não se relacionar - com maior ou menor desagrado.
Além de estarem a braços com um assassinato que só pode ter um de dois motivos: dinheiro ou sexo. Ou, em preferindo a portugalidade, por ganância ou dor de corno.
Um toque de ridículo ao serviço de uma inteligente manobra de dificuldade investigativa nascida tão somente do pensamento redutor dos vários departamentos da polícia, com o crime económico para um lado e os Homicídios para o outro, nenhum conseguindo "pensar fora da caixa" e relacionar hipóteses diversas.
O encontro com a tradição policial num cenário nosso, do eterno e falso país de brandos costumes - recordo o livro de Pedro Almeida Vieira -, dá uma sensação de satisfação que é mais do que a mera alegria bacoca de ver Portugal assim representado.
É uma satisfação porque faltou quem regularmente descobrisse o país como um conjunto de possibilidade para um cenário de literatura criminal.
Este primeiro tomo, apesar de ser um esforço literário descomprometido e descomplexado, merece que se reconheça que é escrito de forma muito cuidada - capaz de aliar a eficácia necessária à continuada qualidade - e que acaba por atingir níveis críticos mais profundos do que se suspeitaria.
A única falha grave do que é, de resto, uma estrutura muito inteligente vem da manipulação das revelações acerca daquilo que constitui o erro no passado de Grabriel Ponte.
Ou havia uma espécie de prólogo longo onde essa história fosse revelada, algo bem ao estilo dos contemporâneos thrillers, ou a informação era mantida na obscuridade para criar a dúvida crescente no leitor.
A revelação tal como acontece retira-lhe força e não é capaz de criar qualquer suspense. O personagem passa por ela semi-incólume aos olhos do leitor, o que não é aceitável nem literaria nem moralmente.
O livro resulta como um todo amenizando essa falha que por momentos o desvirtua e, no final, Gabriel Ponte consegue persuadir o leitor a continuar com ele por outras desventuras.
Morte com Vista para o Mar (Pedro Garcia Rosado)
Topseller
1ª edição - Fevereiro de 2013
320 páginas
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