segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Da bela morte

Há vários anos atrás, numa vontade súbita de ler Thomas Mann, optei por Morte em Veneza e não por A Montanha Mágica.
Apesar de ser este segundo aquele de que mais tinha ouvido falar, o outro era mais maneiro para um adolescente - tratava-se de uma edição de bolso da Europa-América.
Na altura de preparar as leituras que me iriam acompanhar na viagem a Veneza, Morte em Veneza este livro encabeçou a lista (pequena, confesso, que o trabalho não deixaria muito tempo a leituras) dos livros que mudariam temporariamente de país.
Foi uma decisão que se revelou mais do que perfeita e suponho que, tanto antes como depois de mim, muitos serão os que chegarão a essa mesma constatação.
Quando o ambiente que extravasa do livro se confunde com o ambiente que nos rodeia há uma espécie de magia resultante de uma concretização literal da palavra que nos fascina.
Daí que, de futuro, em qualquer viagem, vá tentar associar com precisão o livro que me acompanha à cidade por onde passarei.

Sobre a releitura do livro, foi ainda mais fascinante. A escrita portentosa e sugestiva mas serena, a economia de meios com que Mann conta uma história a que me apetece chamar absoluta por dizer tudo - ou sugerir - o que é importante sobre Cultura, Beleza e Morte, elementos de que não me recordava quando me lembrava da trama mas que são inesquecíveis agora.
Embora o livro seja magnífico, o seu texto diz-nos precisamente que a busca do artista pela beleza absoluta nunca deve ser concretizada.
Caso contrário este queda-se, deixa de decidir ou actuar e espera apenas pelos vislumbres da perfeição que encontrou. O artista desiste do seu papel crendo ou temendo que a Beleza, visibilidade do Espiritual, a ocorrer, seja sempre superior ao seu papel de procura da mesma.
Assim como o artista, também qualquer homem que se renda ao objecto que nem sonhava desejar está a menorizar o seu papel na criação do divino - entendido como o que supera toda a sua própria capacidade de entendimento, mesmo pela via dos cinco sentidos.
Talvez a peste seja um preço justo pela apreciação dessa beleza e pelo arrebatamento irreal, mas esperar a morte em troca do mero vislumbre da perfeição é rejeitar o que se é.


















Morte em Veneza (Thomas Mann)
Colecção Mil Folhas/Público

Novembro de 2002
98 páginas

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