Não sei se terá sido propositado, mas para mim o tema deste livro está todo ele exposto na sua própria estrutura.
Um homem, caminhando para uma velhice um pouco impotente, tira notas - não chega a ser um diário - capazes de relatar os acontecimentos da sua vida.
Não temos a certeza se o faz para afrontar a sua crescente degenerescência ou o faz como rendição a ela.
Não temos a certeza se com essas notas prova a resistência das suas capacidades mentais ou se prova que, de outra forma, já não seria capaz de recordar o que se passou consigo.
Todo o livro lida com o confronto com o envelhecimento e com a morte. O confronto e a aprendizagem, desse envelhecimento que se revela na surdez progressiva do protagonista.
Por mais que não pareça uma condição das mais gravosas - como o próprio autor salienta por diversas vezes, afirmando e demonstrando que a cegueira é vista tragicamente e a surdez comicamente - é debilitante, sobretudo para um linguista, assim privado da sua profissão.
Mas é, também, debilitante na forma como destrói o contacto social, como irrita as pessoas que lhe são próximas e como cria uma barreira de solidão cada vez maior.
A surdez é, afinal de contas, um isolamento do mundo, pelo que o combate contra ela, contra a velhice, contra a morte, será sempre uma luta solitária.
Nos seus equívocos, na sua constante repetição, chega a um ponto em que parece tão ridícula essa luta que a nossa reacção é a de nos enternecermos com o seu protagonista.
A sua determinação em se sentir de novo inteiro e capaz e humano leva-o a envolver-se com uma rapariga que parece pronta a destabilizar a vida e só uma tragédia ainda maior, que aproxima ainda mais da fragilidade da vida, não só a ele mas a todos os que o rodeiam, parece capaz de o fazer reencontrar com as pessoas e vice-versa.
Este romance é como uma vertigem perante a debilidade da velhice. Mas é também uma genuína demonstração de força e, até certo ponto, um alerta, embora não seja nada disto propositadamente.
É, acima de tudo, um romance muito bem pensado e muito bem escrito, que como todos os grandes romances consegue extravasar-se a si próprio para tocar a vida - ou, pelo menos, a consciência - do seu leitor.
Uma nota que não poderia aqui falhar, até por ser o autor a mencioná-la logo na abertura do livro, vai directamente para a tradução.
Não era minimamente fácil fazê-la, tão repleta de singularidades línguisticas e trocadilhos que só resultam no seu original inglês.
No entanto, a tradutora Tânia Ganho conseguiu salvaguardar esses jogos de significados, sem comprometer a legibilidade do livro com as notas de rodapé, que são ricas e apropriadas, mas não excessivas.
Um homem, caminhando para uma velhice um pouco impotente, tira notas - não chega a ser um diário - capazes de relatar os acontecimentos da sua vida.
Não temos a certeza se o faz para afrontar a sua crescente degenerescência ou o faz como rendição a ela.
Não temos a certeza se com essas notas prova a resistência das suas capacidades mentais ou se prova que, de outra forma, já não seria capaz de recordar o que se passou consigo.
Todo o livro lida com o confronto com o envelhecimento e com a morte. O confronto e a aprendizagem, desse envelhecimento que se revela na surdez progressiva do protagonista.
Por mais que não pareça uma condição das mais gravosas - como o próprio autor salienta por diversas vezes, afirmando e demonstrando que a cegueira é vista tragicamente e a surdez comicamente - é debilitante, sobretudo para um linguista, assim privado da sua profissão.
Mas é, também, debilitante na forma como destrói o contacto social, como irrita as pessoas que lhe são próximas e como cria uma barreira de solidão cada vez maior.
A surdez é, afinal de contas, um isolamento do mundo, pelo que o combate contra ela, contra a velhice, contra a morte, será sempre uma luta solitária.
Nos seus equívocos, na sua constante repetição, chega a um ponto em que parece tão ridícula essa luta que a nossa reacção é a de nos enternecermos com o seu protagonista.
A sua determinação em se sentir de novo inteiro e capaz e humano leva-o a envolver-se com uma rapariga que parece pronta a destabilizar a vida e só uma tragédia ainda maior, que aproxima ainda mais da fragilidade da vida, não só a ele mas a todos os que o rodeiam, parece capaz de o fazer reencontrar com as pessoas e vice-versa.
Este romance é como uma vertigem perante a debilidade da velhice. Mas é também uma genuína demonstração de força e, até certo ponto, um alerta, embora não seja nada disto propositadamente.
É, acima de tudo, um romance muito bem pensado e muito bem escrito, que como todos os grandes romances consegue extravasar-se a si próprio para tocar a vida - ou, pelo menos, a consciência - do seu leitor.
Uma nota que não poderia aqui falhar, até por ser o autor a mencioná-la logo na abertura do livro, vai directamente para a tradução.
Não era minimamente fácil fazê-la, tão repleta de singularidades línguisticas e trocadilhos que só resultam no seu original inglês.
No entanto, a tradutora Tânia Ganho conseguiu salvaguardar esses jogos de significados, sem comprometer a legibilidade do livro com as notas de rodapé, que são ricas e apropriadas, mas não excessivas.
A vida em surdina (David Lodge)
Edições Asa
1ª Edição - Maio de 2009
336 páginas
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