segunda-feira, 4 de maio de 2015

À segunda

Palavra desconhecida até ao lançamento deste livro (e se existe na Língua Portuguesa é ainda uma dúvida), "informacionista" tem um sentido claro mas abrangente com um impacto significativo.
A atracção do livro está na expectativa que essa palavra provoca, de trabalho de captação de informação, de acção dissimulada, de algo muito perto da espionagem.
Pode dizer-se que o início d'A Informacionista está perto disso, constituíndo uma incursão a África em busca de uma rapariga raptada há muito tempo atrás e cujo rasto está praticamente perdido.
A protagonista chega aonde ninguém antes conseguiu sequer percepcionar e o interesse particular deste seu trabalho é que se baseia, em grande medida, no instinto e num passado decorrido naquele continente.
Ela está tanto à procura da rapariga como à procura de um reencontro pessoal com a história da qual fugiu, o que ajuda a criar o retrato de Munroe com a trama em andamento.
Conveniência aceitável para um género que quer moldar-se no interior da acção. Só que uma conveniência que acaba por vir a prejudicar o livro mais para diante.
A missão a que Munroe se propõs acabará por a colocar numa posição delicada em que as suas capacidades são praticamente ridicularizadas pelo seu falhanço em se defender por umas horas.
Aquilo a que ela recorre depois de se escapar num primeiro momento não são as suas capacidades de integração e desaparecimento mas antes velhos contactos.
Em particular um homem que deixou para trás e sem notícias por longos anos, mas que à conta de uma velha paixão sacrificará bom senso e argúcia para a ajudar.
O papel dela não fica reduzido a nada, mas não deixa de se ver reduzido a um mero catalisador de emoções alheias que dificilmente escapam aos seus encantos femininos.
O processo de minimização do feminismo do livro é contrariado pelo surgimento de um lado de figura de acção da protagonista.
O seu comportamento é de uma violência mais associada aos homens, ainda que a ferocidade do ataque corpo a corpo assente nas vantagens táctictas de um corpo feminino: velocidade e compactidade.
Como figura de acção Munroe torna-se, em absoluto, dissonante em relação àquilo que Taylor Stevens definiu já em Os Inocentes.
O maior bloco da segunda metade do primeiro livro da autora nega que o mundo em que ela se movia era o da recolha de dados e informações, com a discrição e a inteligência a sobreporem-se às armas e ao estardalhaço.
Traindo expectativas e conformando-se com a banalidade dos thrillers em que a musculatura faz mais do que o cérebro, A Informacionista revela-se um livro falhado.
Já a sua continuação, sem sequer depender da diminuição das expectativas causadas pelo primeiro tomo, revela-se precisamente o contrário: sólido e absorvente, capaz de adicionar elementos originais à personalidade de Munroe e de valorizar um sentimento de defesa da condição feminina.
N'Os Inocentes o processo está ao nível do resultado da narrativa, mostrando facetas da protagonista que pareciam elemento periféricos no primeiro livro e demonstrando as suas capacidades que ou falhavam ou estavam ausentes anteriormente.
Munroe vai actuar em nome da amizade sem perder a compostura de um trabalho onde a lógica não se pode condicionar por relações pessoais.
Agora mostra-se ao serviço dos pergaminhos que o estatuto de informacionista já definia para ela e que a autora viria a descrever ao longo desta leitura e como acima ficou transcrito.
Conhecemos de forma prática nesta trama tanto o seu meticuloso processo de reconhecimento da situação em que se vai envolver como a sua mestria no disfarce cujas bases são a sua rápida leitura das reacções alheias que lhe permitem moldar a personalidade ao que lhes agrada.
Este livro é aquele que dá consistência à táctica de se comportar como uma menina inocente para obter informações.
A par da mais distintiva - e ainda revelada no primeiro livro - capacidade para passar por um rapaz, isso torna-a num elemento de múltiplas metamorfoses em potência embora maioritariamente seja pela condição de mulher (estereotipada) que ela vença.
O uso da androgenia de forma mais vincada acaba por marcar uma evolução para a personagem que lhe serviu de modelo nos traços de feminismo sofredor, Lisbeth Salander.
Também Munroe ultrapassa uma barreira de capacidade de domínio a partir de um caso de violação.
A autora volta a conquistar o espaço do feminismo com singificado no desenrolar do livro, o que torna a leitura bem mais interessante até porque isso demonstra evolução como escritora.
A integração num culto onde jovens raparigas são prostituídas por troca de mantimentos e protecção reforça a ideia da autora estar a criar uma mulher que seja defensora de outras.
Reconhece-se que tal já fora tentado no primeiro livro, embora fosse o dinheiro o motivo e que a escravidão da rapariga acabasse por ser uma consequência em segundo plano (senão mesmo acidental) da ganância.
Sem moralismos desfasados da eficácia objectiva deste género de obra, Taylor Stevens consegue com o segundo livro criar uma personagem onde o seu género é preponderante para a definir mas que interessa ao leitor independentemente disso por ser o elemento condutor de uma história que está longe da crescente formatação do thriller.
Os Inocentes não abdica de ter um elemento de acção, mas este é um pontuar de um trabalho de campo mais complexo e meticuloso.


A Informacionista (Taylor Stevens)
Topseller
1ª edição - Abril de 2014
336 páginas


Os Inocentes (Taylor Stevens)
Topseller
1ª edição - Setembro de 2014
352 páginas

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