Este livro de Don Winslow é um relato carregado de adrenalina que o autor conseguiu traduzir na totalidade do seu trabalho.
A sua escrita está carregada da energia que salta dos personagens e das suas acções, reforçada pela estrutura estabelecida com os capítulos que são como picos extremos de um registo sísmico, indo de duas palavras (no brutal capítulo inicial) a várias páginas e nem sempre com as frases a ocuparem as páginas de margem a margem como é "norma".
Essa energia ser um sentido de humor bastante livre, nascido de um estilo de vida descomplexado que gera uma ironia que funciona ainda melhor porque as personagens geram-na de forma inadvertida e parecem incapazes de se aperceberem dela.
Naturalmente porque as personagens são uma espécie de apanhado de contra-sensos no limite do esterótipo: um militar rendido à vida pacífica, uma mãe latina chefiando um cartel de droga, um vendedor de droga dedicando a vida ao altruísmo e uma menina rica negligenciada com amor a mais para dar.
Se considerarmos estes quatro como os personagens principais do livro podemos crer que representam os pontos cardeais de uma América superficial que se leva demasiado a sério.
O curioso é que entre adolescentes e mães de família, são personagens de um mundo de crime que se pode ver igualmente como mundo empresarial.
O tráfico de droga como comércio onde duas mentalidades são possíveis é uma ideia particularmente curiosa.
De um lado os jovens que pensam ser justa a retribuição ao mundo desfavorecido da matéria-prima que fornece e a dádiva aos seus colaboradores de uma vida no lugar da exploração pelo lucro excessivo.
Do outro a velha mentalidade para quem o lucro é tudo e as boas práticas negociais são a primeira "treta" a ser esquecida.
Traços para uma leitura de moralismo amargo acerca do mundo empresarial que se desvanece à medida que o autor se afunda nas motivações privadas dos personagens numa trama de confronto de acção criminal.
A moralidade individual dos personagens e, sobretudo, a dependência emocional do trio Chon, Ben e O, leva a que o livro se torne menos pertinente.
Cada personagem mostra possuir motivos para censura sendo, por outro lado, digna de compreensão - se não mesmo de compaixão.
Nenhuma delas é "Boa" ou "Má", tentando o autor que elas caiam na faixa intermédia de classificação. Tentando e falhando, pois haverá sempre os maus melhores e os maus piores, no final não havendo personagens dúbias mas apenas personagens mais unidimensionais classificadas a partir de um ponto de vista deslocado da norma social.
Com isto, termina-se Selvagens com um sentimento de satisfação, fruto da combinação da forma com um conjunto de ideias cheias de potencial que torna a leitura imparável.
Sem que deixe de transportar consigo uma constatação de falhanço por se ter reduzido a uma certa banalidade medida a partir dos níveis a que as ideias pareceram apontar desde o início.
Selvagens (Don Winslow)
Porto Editora
1ª edição - Setembro de 2012
294 páginas
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