Um homem preso na Tunísia e uma mulher desaparecida algures em África, consequências individuais de um caso de uma noite que liga destinos a três décadas de distância.
Que liga filhos como ligou os pais e que liga os últimos fogachos de contra-revolução portuguesa de 1975 ao jogo da diplomacia internacional corrente.
Mas há mais temas dentro deste livro que parece ter um título anunciador dos seus méritos. A história de amor entre Pedro e Inês ou a concepção corrente do papel que cada género deve desempenhar são temas que se ligam para desafiarem as convenções do leitor.
Olhamos para as personagens e reconhecemos deles algo mais do que os nomes como sinónimos dessa memória Histórica que, de Luís Vaz de Camões a Agustina Bessa-Luís, inspira ainda a Literatura.
Ele, Pedro, tem de inventar um deus para que possa sobreviver acreditando em algo que ocupe a solidão e compense o paladar e o olfacto que lhe levam a "merda" que come e a merda que produz se acumula.
Ela, Constança, mulher de seduções, é fugitiva mas poderá ter-se tornado vítima. O seu destino é feito de rumores mas ainda assim é suficiente para condenar Pedro ao sofrimento da prisão injustificada.
Falta ainda contabilizar Inês, a namorada de Pedro que está no Canadá e que quando deveria rejeitá-lo à conta da traição redescobre o seu interesse nele porque ele se transformou de um rapaz simpático num homem sedutor (mesmo que de outra mulher). Embora a paixão só dure o tempo da sua estadia no país de todos os imprevistos onde ela recusara acompanhar Pedro.
Embora os papéis não se definam da mesma maneira, o resultado é idêntico ao das relações que ainda definem hoje a maior história de amor do nosso Portugal.
Inês não morre mas fica perdida para Pedro devido às suas opções. Constança, como a rainha, é uma mulher desgostosa mas que resolutamente resiste sozinha. E ele, com nome de rei, dá sinal da sua nobreza restituindo amizade à mulher que o levou à prisão, mesmo sem recompensa que sobre ele recaia.
Tudo devido a uma paixão momentânea que carrega o peso de três décadas mas que fala da tragédia de sete séculos.
Uma tragédia que é nossa, dos portugueses. Talvez por aí se aceite que a sinopse diga que este é o romance da alma portuguesa, inquieta e insegura mas não apenas dos trinta anos que passaram desde o 25 de Abril.
A alma portuguesa mantém-se inquieta e insegura, apesar de todos os feitos e todas as paixões, desde que o país ainda não o era. Por tal continua a viver intensamente a mágoa melancólica do Fado que alimenta a antecipação da tragédia de todas as gerações.
A mágoa e uma certa obsessão com a morte são o que resta aos personagens no final do livro.
Só não era necessário que o final, onde os encantos de Casablanca se juntam a todas as outras referências que o escritor coloca no tabuleiro de jogo, fosse tão longo e reflexivo.
A resolução do livro - que até passaria bem sem ela - persegue em demasia a poesia reflexiva que dá às personagens uma faceta extra e um destino apenas semi-infeliz. Até mesmo a Constança, uma personagem central que passa o romance quase todo desaparecida sem que deixe, por isso, de se fazer personagem.
Tal não apaga que Vítor Serpa revela na escrita de um primeiro romance um domínio das palavras e uma profundidade das descrições. Características que podem, claro, ser apenas extensões do seu trabalho de jornalista.
Já a perspicácia que revela para a precisa orientação da narrativa mesmo quando troca de personagem a meio do relato de um mesmo acontecimento é sinal de alguém que merece, logo à primeira tentativa, o epíteto de romancista.
Tanta Gente em Mim (Vítor Serpa)
Publicações Dom Quixote
1ª edição - Abril de 2010
288 páginas
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