domingo, 18 de dezembro de 2011

Uma companhia para Allan Poe

Louis Bayard consegue, em três capítulos, construir uma personagem forte que mereceria o epíteto de detective privado a par dos maiores da literatura.
O leitor está praticamente conquistado e ainda nem há sombra de Edgar Allan Poe, possivelmente o factor de maior atracção para este livro.
Augustus Landor - Gus Landor como nome de guerra - é um polícia reformado chamado a West Point para investigar a profanação de um cadáver e o seu primeiro acto é a imposição da sua autoridade (ainda que civil) à chefia militar perguntando-lhes se querem que descubra quem matou o cadete ou quem roubou o coração ao cadáver.
Em sentido contrário, os militares apenas conseguem pedir a Landor que pare de beber com a regular obstinação que o caracteriza até que a investigação termine.
Fica claro que Landor tem as características que fazem um detective interessante de acompenhar na sua investigação, embora se isso serve para resolver o caso seja obviamente a incógnita que adoramos que acompanhe o próprio mistério do crime.
O recruta que ele escolherá para o ajudar é Poe, outra figura que levanta mais dúvidas do certezas.
A dupla entende-se mas raramente consegue avançar no caso. Dedicam-se a debater temas variados e profundos, bebem em conjunto e alvitram hipóteses sobre quem serão os envolvidos. Mas conclusões que possam transmitir aos líderes não as têm.
Isto também porque se acumulam as alturas em que os dois parecem esquecidos do caso, entretidos na sua camaradagem.
Até pode ser que isso se revele um pouco frustrante visto que há um espesso mistério sobre o qual queremos saber mais, mas acompanhar a relação dos dois e desvendar a paralela evolução do imberbe homem que ainda é um Poe que já vamos reconhecendo como a figura literária que ficou para a História e do peculiar Landor que está longe de viver à imagem de "bicho do mato" que criou para si.
Torna-se complicado, depois do foco se virar para a relação dos dois, ficar satisfeito com a resolução do livro. Não falo da surpresa final que até se coaduna bem com os desvios feitos à investigação, mas dos eventos que ainda antes disso proporcionam uma razão para o coração ter sido retirado ao cadáver.
Ainda que seja um pedaço de narrativa no espírito de algumas das histórias de Allan Poe, não deixa de ser um exagero pouco ligado ao que foi construído antes.
Não estraga o romance até porque o que mais interessante que ele consegue é a imersão do leitor no estilo da literatura da altura em que ele decorre.
O registo narrativo é próprio de alguns dos primeiros policiais, directamente dirigido ao leitor como se tivesse sido dado à estampa num jornal e com um texto lúcido que parece vir de um afastamento intelectual do caso em que o narrador se viu envolvido.
Este é interrompido amiúde pela transcrição dos relatórios de Poe, num estilo que imita com talento - e até cita - aquele que associamos ao homem que foi, também, um dos criadores do policial moderno.


Os Olhos de Allan Poe (Louis Bayard)
Saída de Emergência
1ª edição - Abril de 2011
416 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário