sábado, 26 de março de 2011

Panfleto literário

As manifestações recentes não enganam, ainda vivemos num tempo em que as pessoas continuam a precisar de fazer ouvir o seu descontentamento com as condições em que trabalham.
Assim se compreende que a redescoberta deste escritor japonês tenha tido tanto sucesso, com a sua forma esclarecedora que dar a conhecer o pior que a sociedade capitalista guarda para os seus trabalhores mais indefesos e dar uma hipótese de esperança para que eles próprios levem a sua vida para um patamar melhor.
Aqui se faz política abertamente, propõe-se um modelo de actuação, não se teoriza sem base palpável.
As condições são muito distintas quando passou quase um século. A escravatura com a morte a pairar em redor deu lugar a condições menos crúeis. Mas o sentimento de injustiça tem ainda traços semelhantes.
O tempo que passou e as mudanças entre as condições da altura e do presente levam a que a discussão que o livro levanta não seja de nível social, mas em definitivo de nível literário.
Poderá um escritor com uma nota de intenções panfletárias criar uma obra perene que não se limite a exacerbar um sentimento violento que se reacende a cada nova crise?
Neste caso direi que sim, sobretudo porque Takiji Kobayashi escreve com um realismo que conjuga a economia de meios com uma beleza nobre.
A dureza das condições de vida dos pescadores japoneses no início do século XX sentem-se sem filtro no texto mas aqueles que as vivem são dignificados.
A composição da narrativa é forte, atravessa as situações mais importantes para compreender a vida a bordo mas não se delonga em pormenores excessivos.
É literatura com um elevado grau de eficácia e poder de residência na consciência do leitor.
Outro ponto a sublinhar, pelo qual o livro se distingue, é o facto de não ser uma história de sucesso.
A revolta a bordo não termina em sucesso, termina com a promessa de repetição e é num apêndice breve de tópicos que se fica a saber o que aconteceu na segunda tentativa.
A história vai até onde é, literariamente, relevante e plausível. O panfleto fica, afinal, depois disso, numa página que um leitor pode ignorar se quiser.


















O Navio dos Homens (Takiji Kobayashi)
Clube do Autor
1ª edição - Outubro de 2010
164 páginas

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