sábado, 16 de junho de 2018

Sátira Sádica




A forma de humor que Até ao Fim do Mundo tenta concretizar é a sátira. Isso fica claro pelos exageros que a história alcança.
O problema está em que essa tentativa é feita até meio antes da autora se render à redenção generalizada dos personagens dos quais vinha exacerbando os defeitos.
Em vez de sátira, histerismo para levar a acção por diante antes de terminar tudo em melodrama de pacotilha, todo ele arrependimento em direcção a uma nova forma de vida.
Se bem que, mesmo nisso, a autora tem um assomo de cobardia, não se dando ao trabalho de escrever um verdadeiro final na ilusão de que alguém achará que as personalidades - sobretudo a da Bernardette, protagonista - não mudaram assim tanto.
Um livro a que tem de se aplicar a expressão "uma no cravo, outra na ferradura", em que a autora quer ridicularizar as mães dos subúrbios de Seattle ao mesmo tempo que fica de bem com elas.
Apesar de acabar na Antárctida, este livro é a história desses subúrbios num estilo que tenta ser o de comédia.
A sátira não está obrigada ao humor, mas o passado de argumentista de sitcoms da autora para isso a encaminha.
Sem sucesso, claro. O momento mais inteligente de todo o livro é despojado dos muitos exageros que ela quer fazer passar por sátira e comédia.
Uma das mais radicais e revolucionárias arquitectas da história recente não consegue que, num leilão de escola, licitem a sua oferta de construir uma casa na árvore.
Sem mais do que isto, este é o único momento em que autora consegue expressar de forma convincente e interessante o propalado vazio existencial a que os visionários estão sujeitos num mundo cuja atenção não vai além do que está um palmo à frente dos olhos.
O resto esforça-se em demasia até se distanciar do leitor e o deixar perplexo com a direcção que a história toma sem efeito prático.
Tal como as sitcom que a autora escreveu, este livro funciona de forma episódica, no pior sentido, embora seja o que vai garantindo uma certa inércia de leitura continuada.
A autora leva por diante uma situação, não se impondo travão até que não consiga mais manter-se dentro de limites de ocorrência física.
Fá-lo sem qualquer cuidado com a estrutura geral do que narra num sentido de continuidade global.
Quando essa está em risco, simplesmente retira uma solução inaceitável de um qualquer buraco - e os americanos são mais explícitos de que buraco se trata... - para fingir que tudo se concilia.
Tal é muito evidente na forma narrativa que a autora escolheu e que acabará por trair quando já não consegue contorcer a lógica para a continuar.
O romance é a forma moderna de epistomológico, narrado pela recolha de e-mails, memorandos, posts e até post-its.
Não se entre na discussão dos detalhes de má escrita em que os personagens reproduzem com exactidão longuíssimos diálogos ao escreverem e-mails ou guardam obsessivamente post-its pouco significativos (excepto para a narração).
Pense-se apenas no facto de todo o material transcrito no livro ser obtido por uma mãe arrependida que o copia de um dossier do FBI, o complementa com a ajuda do seu filho pirata informático e o passa a uma criança que o monta de forma cronológica de forma a ser legível.
A essência da estrutura do livro é a maior daquelas soluções retiradas de um qualquer buraco e que devem passar por "originalidade".
O livro não proporciona qualquer ideia nova, muito menos sobre o humor a encontrar nos subúrbios americanos.
O único novo olhar que Até ao Fim do Mundo me despertou foi para com Jonathan Franzen.
Se esté o tipo de romance que ele devora com "prazer absoluto", há que reconsiderar se o autor merece atenção.



Até ao Fim do Mundo (Maria Semple)
Teorema
1ª edição - Agosto de 2013
360 páginas

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