terça-feira, 12 de agosto de 2014

Humor sem pertinência



Hitler como ideia cómica tem sido mais comum como forma de superar prolongados traumas e receios - e as pouco saudáveis obsessões, por vezes acusatórias, que os acompanham.
Depois de servir para que os países europeus superassem o trauma da Segunda Guerra Mundial, ressurgiu para que esses mesmos países lidassem com o crescendo económico Alemão.
(A sua utilização parecia quase extinta neste século XXI, mas parece que isso já não é verdade em alguns países do centro da Europa.)
Como figura de crítica social corrente parece-me um recurso menos habitual, sujeito à dificuldade de saber até que ponto resulta como transmissor de humor transversal.
Ressurgindo na Alemanha actual, Adolf Hitler é tomado como um comediante obsessivo que nunca deixa a sua personagem - não ao contrário de Sacha Baron Cohen que sofreu ataques físicos ao interpretar o seu Borat fora do período de filmagens.
O conceito não é novo, sendo que Big Train já tinha reinventado Hitler como um entertainer na sua própria época, tornando a sua vida privada numa contradição do seu discurso.
Aqui ele vai servindo para que Timur Vermes ridicularize a dependência do mediatismo que a sociedade tem, e a dois traços em particular.
A transformação de qualquer pessoa exposta num ecrã num fenómeno massivo sem qualquer tipo de ponderação da realidade por detrás dela.
A falta de memória da sociedade actual que a parece encaminhar para o ponto em que os erros do Passado estão prestes a repetir-se.
Se o primeiro desses traços funciona transversalmente para os leitores, o segundo está obviamente muito focalizado na Alemanha.
A (justa) recusa de viver com o estigma de uma culpa de gerações passadas parece ter vindo a causar algum ressentimento para o qual a resposta tem sido uma indiferença para com o peso da História.
O livro não deixa de funcionar por essa falta de transferência fácil do tema para fora do seu país de origem, mas exige uma associação que poderá ser relativamente simples em Portugal - graças ao seu próprio ditador - mas nunca exacta - não há comparação possível com Hitler.
O verdadeiro problema do livro está no facto de lhe faltar tema sobre o qual ironizar a partir do ponto de vista que estabelece.
Vermes continua por três centenas de páginas a debitar o mesmo género de piadas. Piadas que funcionam, mas que não apresentam qualquer progressão no género de humor - pouco subtil - nem no objectivo do mesmo.
Pode, em alguns momentos, fazer algum humor político ligeiramente mais contundente mas isso não passa de uma inspiração temporária.
Sendo a sua intenção o humor permanente, o autor nem sequer tenta fazer evoluir o seu personagem, mantendo-o como uma figura determinada mas um pouco tosca por incapacidade de compreender o mundo moderno.
Infelizmente para o resultado final essa evolução acontece por si mesma e de forma acidental, ao longo - e ao serviço pouco criterioso - da trama.
Hitler caminha para a compreensão dos meandros da política actual e da exposição mediática de forma a impôr-se como candidato às eleições.
Isso parece mais natural para uma personagem que elogia a sua própria rápida compreensão do mundo do que a contraditória redoma em que o autor o mantém e em que até o conceito de ficção televisiva lhe continua a ser estranha, apesar dele emergir nesse mesmo meio.
Fica-se com a sensação de que o livro apenas é capaz de falar - com contundência! - da relação da Alemanha com a memória de uma das suas figuras mais perturbadoras.
A leitura não é desagradável mas para isso vale mais ver a campanha da Folha de São Paulo que deixo no início deste post, com a sua a economia de tempo e a sua brilhante precisão.


Ele Está de Volta (Timur Vermes)
Lua de Papel
1ª edição - Setembro de 2013
304 páginas

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