segunda-feira, 21 de julho de 2014

Um sítio familiar aonde nunca fomos

Um livro de viagens costuma ser o relato da partida ao encontro de um local desconhecido ou o relato do reencontro com um lugar de fascínio.
Este livro de Brendan Behan é algo de muito diferente, um conjunto de crónica pessoalíssimas de quem não só habita Nova iorque como é parte da cidade.
O seu texto é um delírio de memórias, sobretudo de eventos regados a álcool e repletos de personagens da fauna mais marcante e/ou bizarra da famosa cidade.
A combinação da narrativa na primeira pessoa com uma energia vinda da oralidade - como Vilas-Matas nos revela no prefácio - dá ao relato o poder de um êxtase.
A verdade é que o leitor não fica fascinado pelo cenrário que lhe é descrito, sente-se a vivê-lo.
Parte desse efeito deve-se à própria cidade, um antro fascinante, eterno desconhecido mas com uma familiaridade facilmente criada.
Só que esta não é uma cidade que se destaque pelos seus monumentos de excepção ou por uma beleza a cada esquina.
Antes pelo contrário, entre algumas luzes fortes são os traços negros encobertos ou vividos em privado que lhe aumenta o poder sobre quem a olha.
O que a distingue acima de tudo são as vidas que se destacam no seu interior, sobretudo as que estão repletas da boémia que conduz ao génio criativo.
Brendan Behan encontrou-se, confrontou-se e entendeu-se com boa parte dos que deram (a sua) vida a Nova Iorque, daí que esta sua crónica seja tão intensa num jogo de tirada e resposta entre ele e as figuras fasntásticas com quem ele se cruza.
A Nova Iorque de Brendan Behan é parte tenebrosa, parte resplandecente, e tão mais interessante por isso.
É a Nova Iorque em que parece haver uma tão precisa confluência das pessoas ao longo dos bairros de encontro ao escritor que a cidade parece a sua aldeia em que domina pela sua notória indiferença para tudo o que não seja o seu próprio interesse.
Com ele vagueamos pela realidade que vai de Greenwich Village à Bowery e ficamos convencidos de que somos capazes de associarmo-nos a pessoas que nunca conhecemos e responder-lhe com uma elevada dose de snobismo de verdadeiros nativos de Nova Iorque.
Com o livro a ter sido escrito pelos corredores do Chelsea Hotel, ele é o que o próprio mostra da sua cidade, uma criação bêbada e genial feita no local onde as grandes personalidades vieram descobrir Nova Iorque e acrescentar-lhe o poder dos mitos gloriosos e tombados.
Como Vilas-Matas o disse no prefácio melhor do que eu o tentei aqui, este livro deixou em mim uma estranha saudade de bares onde nunca entrei.
Esta Nova Iorque é de todos nós, que nunca lá estivemos nem poderemos estar.


Nova Iorque (Brendan Behan)
Tinta da China
Sem indicação da edição - Setembro de 2010
152 páginas

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