Com romances como este - sobretudo para quem, como eu, se afasta demasiadas vezes de material não ficcional - há sempre um fascínio pela descoberta de como lugares distantes eram em eras que parecem, de certa forma, mitificadas.
Neste caso a China no limiar do século XX, local de muitos e insondáveis mistérios para as mentes ocidentais do presente.
Desde logo a abordagem à medicina, feita com base numa representação do funcionamento do corpo humano como um todo interligado, que pode parecer um arcaísmo perante a ciência europeia da própria época mas antecipa as relações de causa e efeito entre os elementos mais díspares do corpo humano.
Como também o tratamento das causas prévias e subjacentes à maleita visível antecipam a ideia da psicanálise, por exemplo, demonstrando que a noção prática existente na Ásia era extraordinária faltando-lhe apenas um vocabulário objectivo ao gosto Europeu para ser melhor aceite.
A medicina é apenas um dos pormenores revelados de um país com uma cultura que é difícil de assimilar de imediato mas que exerce um fascínio tão grande como o espaço disponível no Palácio Imperial que acolhe diversas personalidades e outras tantas nacionalidades em jogos políticos intricados.
À medida que se acompanha o impaciente percurso do médico português, encontram-se cada vez mais detalhes, da realidade prosaica aos eventos exclusivos da China.
Embora algumas dessas descrições sejam emocionantes por si só, há um excesso de informação que vai engrossando o livro sem que depois este justifique a explanação de toda a pesquisa que Kunal Basu fez e da qual se depreende que tem muito orgulho.
Aceitar-se-ia melhor o débito de informações se estas acompanhassem uma imersão mais intensa e convincente do médico português nas possibilidades do país que o acolhe. Mas visto que ele rapidamente passa da arrogante relutância europeia perante a medicina oriental e da intensa obsessão com a cura da sífilis do seu pai para um concretizado desejo pela sua professora, torna-se numa personagem pouco interessante.
Com a sua perda de personalidade, o que fica a suportar a riqueza de detalhes é apenas uma história de como o cerebral europeu - que deixou uma noiva à espera - se deixa arrebatar pelo calor do exotismo.
O livro transforma-se sem chegar a trazer satisfação ao leitor que vê a história de assimilação de uma nova cultura - pois para aprender medicina o médico teve de aprender Mandarim ou escapar-lhe-iam detalhes essenciais - acabar sem uma resolução satisfatória depois de esquecida pelo próprio personagem.
Há que reconhecer que o investimento do leitor em tão grande número de páginas é grande, visto que estas exigem uma atenção à linguagem que retarda o folhear, sendo que raramente a causa para tal é a vontade de reapreciar um parágrafo: antes é a minúcia que é preciso ter para montar o puzzle da estrutura das orações do escritor.
Sem a satisfação do resultado da própria história para satisfazer tal investimento, não há hipótese de tornear a realidade para dizer que o livro merece ser lido.
O Português Inquieto (Kunal Basu)
Edições Asa
1ª edição - Abril de 2012
432 páginas
Sem comentários:
Enviar um comentário