Os contornos gerais da história de Aristides de Sousa Mendes são conhecidos, mas não há dúvida de que os detalhes devem ser melhor divulgados.
O salvamento de trinta mil vidas é um feito assinalável mas que ganha ainda mais força no contexto de uma vida definida pelo que o homem foi antes e sofreu depois.
A enormidade extraordinária do acto de passar vistos sem excepção alguma cresce pela maneira como surge - de uma dura confrontação da consciência com o dever que o manteve três dias prostrado perante si mesmo - e pela maneira como o deixará - na pobreza e muitas vezes só até ao fim da vida.
O que ele penou em nome de trinta mil vidas merece acompanhar todos os relatos que se vão esvaziando a pouco e pouco até deixar apenas um heroísmo fácil de alcançar.
Até porque não é só a consciência moral de Aristides que deve ser enaltecida, mas também a sua consciência enquanto servidor do país.
Aristides quebrou as regras que lhe eram ditadas pelo governo de Salazar por crer que estas estavam erradas perante a Constituição Portuguesa e que, como tal, estava a preservar a imagem de um país perante o Mundo e perante o Futuro.
Uma verdade que o Tempo tratou de confirmar não sem que antes o próprio Salazar - que, com a ingenuidade dos que medem nos outros a mesma elevação que é a sua, Aristides cria estar a ser mal aconselhado - recebesse louvores por ter permitido a tantas pessoas receberem vistos e atravessarem Portugal em direcção à salvação do outro lado do Oceano Atlântico.
Para se poder reconhecer o verdadeiro heroísmo do homem deve, pois, compreender-se o risco em que esteve a correcta memória dos seus actos.
Esta é uma biografia que valoriza essa percepção, sóbria e directa no relato dos dados mais importantes que marcaram a existência de Aristides.
José-Alain Fralon mostra um distanciamento reconhecido - e não reverente - ao sujeito sobre quem escreve, permitindo-lhe relatar sem embaraço nem exagero a verdade reconhecida.
Sendo essa a mais significativa característica de Fralon enquanto biógrafo, torna-se também no fundamental instrumento de frustação para o leitor em alguns momentos do livro.
O autor parece tocar alguns momentos da vida sem aprofundar - ou arriscar reflectir ele próprio - sobre os latentes confrontos entre o carácter um pouco dúbio e a acção sempre meritória do biografado.
Não se trataria de ceder a qualquer promiscuidade de paparazzo moderno, pelo contrário, serviria a enaltecer os actos de Aristides perante as suas falhas mundanas e compreensíveis.
Entenda-se tal reparo como a vontade de encontrar um tratamento dramático para a vida de Aristides que o encorpasse ainda mais como figura do seu tempo e como herói acima de qualquer outra das suas características.
Uma leitura importante que pede - pela dimensão e pelo tempo que sobre a sua publicação original passou - que nela peguem para mais longe chegarem com a matéria promissora com que se fez a vida do Cônsul de Bordéus.
Aristides de Sousa Mendes - Um Herói Português (José-Alain Fralon)
Editorial Presença
4ª edição - Outubro de 2012
128 páginas
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