Vladímir Korolenko descreve com imensa beleza a vida dos quatro sentidos mais profundos e precisos que sobram a um cego de nascença.
Com tal beleza que nos faz duvidar se não seria melhor nascer cego do que ter os cinco sentidos e não ser capaz de descobrir o mundo de verdade.
Esse efeito acentua a força da censura do livro, que nos mostra um ser que inveja a vida alheia, mesmo que a sua esteja repleta de fortuna e a dos outros repleta do que se classificaria como desgraça.
A inveja da ilusão libertária que projectamos na vida dos outros é um crime contra a nossa própria existência, sempre destruída pela expectativa de que ela se torne igual à dos outros.
Menorizamos tudo o que temos em nome da ficção alheia e alheada da realidade.
O livro é nobre e não tanto pedagógico. Não é pela lição de vida que ele se bate mas por uma análise profunda da alma humana e de como esta deve ser construída por uma educação trabalhada à dimensão das limitações e potencialidades de cada ser.
Uma educação que, infelizmente, não pode ser sempre carinhosa mas tem, também, de endurecer um cego para enfrentar a dureza do mundo.
Felizmente essa educação que o prepara para o mundo não lhe apaga a sensibilidade para a música, o seu trunfo maior e eterno que encatará o mundo e o tornará melhor.
Neste livro de Vladímir Korolenko há mais do que uma história que valoriza a nobreza de todas as pessoas apesar do que têm a menos do que os restantes.
Há um orgulho na cultura do seu país natal que o leva a saudar graciosamente a música ou a paisagem da Ucrânia com o talento das suas palavras.
Quase se sente o quão sublime são ambas as realidades que ele descreve, como se nos tocassem nos sentidos com que ele próprio as pode apreciar.
Há um ou outro capítulo menos conseguido na estrutura global, mas é na sua maioria um livro de uma escrita brilhante e um cuidado delicado com os seus personagens.
O Músico Cego (Vladímir Korolenko)
Arbor Litterae
1ª edição - Março de 2010
272 páginas
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