domingo, 4 de setembro de 2011

Um convívio difícil

Os Rostos do Mal é uma escolha estranha para o título deste livro, até porque que obrigou a uma solução de capa que me parece desagradável. O original, Twisted Wing (que, ao longo do texto, ficou traduzido como "asa torcida"), era mais sugestivo - creio eu - para os leitores e para o autor da capa.
Até porque de rostos é o que este livro fala menos, pois o rosto que o psiquiatra forense enfrenta é sempre o mesmo, apenas a pessoa por detrás dele é que muda.
Sendo que posso estar a estragar o livro a uma boa parte de quem ler esta crítica, estamos a lidar com personalidades múltiplas, um tema que tem sido mais do que usado na ficção policial recente nesta mesma forma de confronto psiquiátrico e cujas regras se tornaram muito familiares.
Sente-se que o risco de explorar o tema é grande, sobretudo através da estrutura inicial, que a autora complexificou desnecessariamente nas suas intermitências temporais.
O forte da autora não é essa aproximação ao thriller cinematográfico, até porque a mudança de tipo de letra no livro não tem o mesmo efeito da mudança de estilo num flashback cinematográfico.
O forte da autora é a exploração do retorno amedrontado dos alunos ao seu ambiente de aulas que é, também, a cena do crime.
Isso é o cenário de fundo do livro, que se centra novamente naquela relação que é, até certo ponto,  reminiscente da que Thomas Harris criou entre Clarice e Hannibal (e falo com base nos filmes e não nos livros, em que nunca peguei).
No que essa relação complica a vida ao livro é que para servir a forma de thriller - em parte psicológico mas também capaz de explorar a violência de forma nada discreta - torna a realidade do que vai acontecer muito óbvia. Há a primeira reviravolta e há, depois, a contra-reviravolta que retorna tudo à primeira forma mas com outra perspectiva.
Não é que uma acumulação de falsas percepções e suspeitos não deixe de adiar a expectável forma de revelação do mistério, mas isso é o desvio para o policial que se integra bem com a descrição do quotidiano depois dos crimes, mas menos bem com a relação explorada nos mecanismos da conversa psiquiátrica.
Isso contribui para que os falhanços e as vitórias do psiquiatra ao longo do seu trabalho só comecem a tornar-se visíveis quando é apresentada a revelação do serial killer com quem ele se confrontou. Um serial killer com quem valia a pena conviver mais um pouco no momento em que sabemos o grau de investimento - físico e temporal - que colocou no seu plano de vingança. Um serial killer que gostaríamos mesmo de ter continuado a seguir através do jogo de sessões com o seu antagonista (e aliado ingénuo), já que estas seriam mais interessantes com a revelação pendendo entre ambos.
Mas nessa altura já é tarde demais no livro para que isso aconteça e já só sobra um capítulo que cede à forma do thriller cinematográfico e dá aquele conjunto de explicações que tomam o leitor por pouco inteligente, revendo os eventos à luz do óbvio em vez de ter vindo a incluir essas novas perspectivas na própria narrativa.
São demasiados elementos e géneros a brotarem nas páginas deste livro para que todos resultem bem, mas as ideias eram boas para dois livros mais modestos - e, provavelmente, mais eficazes.


Os Rostos do Mal (Ruth Newman)
Editorial Presença
1ª edição - Agosto de 2010
296 páginas

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