Há uma história inacreditável no cerne deste livro. A substância do que vai sendo agregado em torno dessa história é que não tem a capacidade para a sublinhar devidamente.
O relato tem a força dos acontecimentos a seu favor, daqueles acasos que transformam a vida num percurso que ascenda da tragédia à conquista.
Um rapaz que aos cinco anos se perdeu da sua família numa Índia pobre e analfabeta consegue, vinte e cinco anos depois, recuperar a sua origem baseando-se numa memória longínqua e numa inovação tecnológia que acabara de mapear até as regiões mais inacessíveis do mundo.
São dois momentos numa vida que, pelo meio, não tem nem a urgência nem a intensidade desses instantes que a balizam.
Saroo Brierley não tem uma história de vida para contar, tem um arco narrativo que suplanta tudo o resto que a sua vida foi. Espera-se que não o suplante de tal maneira que o impeça de viver um futuro de sucessos.
As suas fortes impressões da Índia - e apesar da idade com que de lá saiu - são uma leitura intensa. Os momentos finais da sua busca (depois do fastidioso trabalho de sapa) têm o efeito de satisfatória surpresa que se espera.
Já o percurso pessoal de Brierley depois de adoptado não tem tanta tensão dramática como ele julga. O rasgão que ocorreu no tecido da sua vida não parece ser tão penoso como o do seu irmão, por exemplo.
O drama do seu crescimento é mais criado por ele próprio, numa prova de que as infâncias (e adolescências) são felizes a posteriori. No momento os problemas de si mesmo são assoberbantes.
Isso não torna a sua história menos significativa, apenas não torna significativo o tempo que separa a brutalidade do arrebatamento.
O foco devia vir do exterior para bem contar esta história. Para lhe retirar a componente emocional que não permite a Brierley ver aquilo que não importa ao resultado final.
Sobretudo, para dar paralelismo ao que a tecnologia permitiu alcançar perante um mundo ainda com tantos sem conhecimentos e recursos que os leitores já tomam por básicos.
Este deveria ser o relato de como uma única vida permitiu ver o que o avanço do conhecimento humano permitiu alcançar.
A história de Brierley foi escrita recorrendo à ajuda de um ghost writer. Reconheça-se que o trabalho dele foi bem feito na medida em que não parece ter transformado em demasia o relato.
O mesmo soa ainda a uma forma de transposição para escrita de alguém habituado a contá-lo e não está embelezado. Isto significa que não há grande valor literário na leitura.
Por mais que esta história de vida seja aquilo que se tende a classificar como um "milagre do século XXI", o seu interesse não está na forma como este livro a traça.
Estaria no que esse homem fez de uma tecnologia que ainda não se sabia que possibilidades trazia. Por consequência, estaria no que essa tecnologia pode ajudar a trazer a um mundo ainda coberto pela escuridão do desconhecimento.
A Longa Estrada para Casa (Saroo Brierley)
Editorial Presença
1ª edição - Agosto de 2015
208 páginas
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