Correndo entre o Passado recente e o Presente, Mustang Branco é uma história de permanente desfasamento.
Encontros actuais que trazem ao de cima tempos dos quais a protagonista nunca escapou porque foram os que a definiram.
Com a cabeça numa outra década e num outro país, a "Sardenta" vive de forma hesitante, sendo facilmente atraída para comportamentos impróprios - relativamente às suas convicções e às próprias leis.
Ela é uma mulher que nunca superou os sentimentos de rapariga. O amor não concretizado no momento em que este era mais intenso e marcante.
A menina volta a estar face a face com o rapaz que preferiu a sua irmã mais velha logo num tempo em que o corpo responde com maior exigência às emoções sentidas.
A confusão - sentimento que se confunde com o deslumbramento antigo - tolda-lhe o julgamento, deixando que ela se torne num peão de um plano alheio.
Só a custo de enfrentar a ameaça da Justiça e de encarar o que fez e porque o fez acabará por começar a recuperar o seu próprio discernimento a propósito da falta de esplendor de Caju, que então voltara à sua vida.
O crescimento da mulher vem com o custo do desmoronar dos mitos da criança que outrora foi.
Ao compreender que as suas memórias empolavam o pequeno mundo em que se movia e o homem com que sonhava, acaba por se redefinir como mulher, por se libertar de memórias felizes e dolorosas por igual, que a prendiam e a impediam de viver em plenitude.
Ainda que, pelo contrário, a sua atitude fosse a de alguém muito mais permissiva a impulsos, o que em teoria faria dela mais dominadora das suas pulsões - e pulsões sexuais.
Em geral o seu comportamento na actualidade é patético enquanto que em Moçambique nos tempos da Guerra Colonial estava mais perto da maturidade - forçada pela arrogância (primeiro) e pela ausência (depois) do pai.
Perto da maturidade em face da maturidade a resvalar para o disparate da sua irmã mais velha e mais afoita. Uma irmã que, num percurso de vida inverso ao dela, constituiu família e permaneceu em Moçambique, não fugindo às responsabilidades nem às memórias.
Embora não seja intencional, os momentos narrativos da história parecem acompanhar a realidade da protagonista.
No que tem de contemporâneo o livro cede a exageros e conveniências que o aproximam de um romance de cordel (aventuroso) enquanto no que tem de distante o livro é intenso e vívido - ora cruel, ora abusrdo.
A vida da protagonista apagou-se, daí que viva no Passado, mas o trabalho da autora deveria conseguir evitar que o mesmo acontecesse na relação entre capítulos de períodos diferentes.
Um percalço no trabalho de narradora que revela algum desajuste entre as ideias sobre um Moçambique onde o colonialismo se sujeitava à guerrilha da Renamo e as soluções encontradas para colocar as personagens num movimento de colisão inescapável na Europa actual.
Um percalço que não macula um talento notável que se pode sujeitas a algum vacilo de discernimento.
A escrita de Filipa Martins anuncia pertencer a alguém que está sempre a olhar para a realidade pelos olhos da sua vocação de escritora.
Alguém que constantemente olha à sua volta, registando o que vê para depois editar a sua descrição e assim tornar a realidade numa parte mais do seu trabalho de criação.
Ela deixa-nos com essa memória, a par de memórias quase reais de um Moçambique onde nunca poderíamos ter ido, o que só lhe acrescenta mérito.
Mustang Branco (Filipa Martins)
Quetzal Editores
1ª edição - Setembro de 2014
256 páginas
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