A propósito de Até que o Mar Acalme, independentemente das considerações sobre a obra, há algo sobre o qual reflectir num ponto de redefinição do conceito do Livro.
Na minha opinião esta obra deveria existir em muitos formatos excepto no formato de livro impresso.
Tal como está, o livro exige que o leitor se afadigue lidando com dois objectos ao mesmo tempo, o livro e um companheiro tecnológico: um smartphone para ler os códigos QR impressos em cada capítulo (ou, em alternativa, o CD que o autor editou).
Manipular ambos de forma coordenada não é agradável e, desde logo, retira o interesse pelo livro a uma geração não interessada na interactividade.
Tal como o retira a uma geração muitíssimo interessada na interactividade, que veria com melhores olhos que o livro estivesse em formato digital e as músicas fossem acessíveis directamente no seu interior.
Este livro deveria ser daqueles que existia exclusivamente em formato de livro digital, para ser lido num aparelho que corresse o texto e, ao mesmo tempo, permitisse ligar uns auscultadores.
A experiência que o livro pretende transmitir num único "objecto" e numa única forma de manipulação.
Mesmo um audiolivro era, aqui, uma solução muito melhor. Era a oportunidade certa para utilizar as canções numa verdadeira simbiose com as palavras escritas (e lidas, neste caso).
A canção tocaria por completo no ponto do capítulo onde estava situada mas ao longo do capítulo a melodia da canção poderia ser usada como acompanhamento de fundo.
Uma verdadeira banda sonora como o autor a imaginou que permitiria dar diferentes tonalidades e ritmos a uma mesma melodia para a cada momento do capítulo sugerir emoções diferentes e até para gerir a velocidade da narração.
Tal como existe, livro e música, a experiência é sempre bipartida. A leitura até um certo ponto e, depois e depois de uma transição de um objecto para outro, a audição da música.
Capítulos houve em que não tive a paciência de o fazer e me limitei a ler os versos da letra da canção (sempre impressos) deixando para mais tarde e à parte a audição da canção.
Continuo a ser averso aos livros digitais, limitando-os a um uso profissional ou a momentos em que nenhuma outra opção está disponível.
O livro continuará, para mim, a ser uma invenção excepcional e um objecto eterno do qual não abdicarei.
Mesmo em tempos pós-apocalípticos o livro servirá, no limite, de combustível, enquanto um leitor de livros digitais servirá de espelho...
Mas estou sempre expectante do próximo passo de aproveitamento das hipóteses que o livro digital apresenta. Passos que rasguem com o conceito aproximado que o livro digital continua a ter perante o livro.
Ainda que seja um livro desinteressante, este poderia ser o livro certo para conseguir ir mais adiante, tornando o processo de leitura numa experiência revolucionária que sugerisse um novo caminho para a própria criação de novos livros ou a "recriação" dos já existentes.
A partir dele quantos livros, mesmo clássicos, quereríamos ouvir com bandas sonoras criadas por músicos de enorme afinidade com os autores? Muitos, certamente.
Seria possível realizar com os livros o mesmo que já se faz com vários filmes mudos, por exemplo, criar obras sonoras inspiradas por eles mas capazes de os questionar pela modernidade das composições.
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