sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Dilemas de sempre de um homem de hoje

Uma confissão prévia: a de que já há muito tempo que tenho apreço por Pedro Bidarra por conta da sua crónica - sempre inteligente e habitualmente literária - no Dinheiro Vivo.
Isso condicionou-me a leitura com um excesso de entusiasmo de que a crítica a Rolando Teixo poderia estar agora enferma, levando-me a ignorar os problemas do livro e a valorizar as suas froças contra quaisquer evidências.
Posso agradecer a Pedro Bidarra facilitar-me a vida tendo criado uma obra que merece elogios e que não tem fraquezas assinaláveis.
Assim, qualquer elogio despropositado no seu exagero passará desapercebido entre os justos elogios de grande medida.
Esta é uma história sobre o tempo presente, um tempo de crise. Mas é também uma obra sobre um tempo eterno, porque a crise interior não muda.
Essa outra crise que a económica tornou mais óbvia é a que tem de responder às perguntas "Quem sou eu afinal?", "Para que sirvo?", "A quem posso confiar-me?" ou "Que deixo eu ao mundo?".
O confronto de um homem com a sua própria insignificância só pode tornar-se mais radical quando o trabalho falha, porque essa tarefa que deve assegurar a sobrevivência foi transformada no elemento essencial para que alguém se define.
Ainda mais grave no caso de Rolando que o seu trabalho seja o de números sem materialização - e alheios! - o que significa que ele nunca terá nada para mostrar, nenhuma materialidade em que se refugiar.
Quando o trabalho falha Rolando encontra conforto apenas nas árvores do muitos jardins de Lisboa, porque as árvores se definem por se erguerem da Terra e dominarem placidamente sobre ela.
As árvores definem-se pelo que são sem mais nem porquê, sem precisarem de se justificar perante os outros.
As árvores não têm medo da pergunta "O que fazes agora?" porque as árvores fazem o mesmo de sempre. As árvores fazem aquilo que são desde o início: seres a caminharem para uma velhice que se confunde com a eternidade e que, assim, marcam pela sua presença gerações atrás de gerações em busca nem que seja apenas de uma sombra.
O mesmo que cada homem deveria estar a fazer, tornar-se uma alma preenchida. Desfrutar da vida e garantir que deixa o mínimo - boas memórias - a pelo menos uma geração: a dos seus filhos.
Rolando enfrenta essa divisão entre o homem que deve ser e o autómato que teve de ser até aí. No caso dele isso significa assumir-se como árvore ou continuar a dizer-se um assalariado quando não o é.
Transforma-se o seu dilema numa fábula. Uma história de renascimentos em jeito de monstruosidade, porque até nessa diferença se é mais humano do que fazendo parte da turba.
Por essa expressão do humano no extraordinário - aquilo que hoje talvez se adjective de surreal quando surge na literatura adulta - que vem desde o mais primitivo conto de fadas, o livro tem o poder de se instalar no coração do leitor, abafando aquela visão imediata de se tratar de uma leitura sobre a realidade lá fora.
Aqui a realidade quase não se faz sentir. O homem e os seus jardins vão fechando o círculo sobre a própria essência da existência.
O leitor envolve-se com Rolando nesse refúgio de interrogação pessoal e torna-se cúmplice do homem em conflito - se não se torna ou não é já esse homem!
Rolando Teixo não é um livro à procura de surpreender com um final radical. Não está dependente de truques para vincar espanto para permanecer na mente do leitor.
O seu final está evidente ao longo do livro, chamando o leitor a ver as pistas e a deixar que esta impossibilidade da realidade se instale antecipadamente como retrato dos dilemas de vida mais comuns e mais exigentes.
Resguardo-me, perante a confissão com que abri este texto e perante um afecto fácil que o livro criou usando como protagonista um bancário (profissão de sempre do meu pai), e evito ser eu a dizer que este é já o volume de "Grande Ficção" que a colecção nos promete.
Direi antes que estamos mesmo à porta do feito de encontrar a obra maior em formato breve que confirmará a realização desta colecção como um momento de genialidade no panorama editorial português.
Entretanto já coloquei o livro a passar de mão em mão, confiante do efeito poderoso que terá nos leitores neste preciso momento e ficando eu na expectativa de, quando o livro voltar a mim, poder já dizer com o distanciamento necessário que Rolando Teixo é um texto perdurável.


Rolando Teixo (Pedro Bidarra)
Guerra & Paz
1ª edição - Junho de 2013
152 páginas

1 comentário:

  1. Muito obrigado pelo texto. Há nele parágrafos inteiros que tive vontade de acrescentar às páginas do livro.
    Obg

    Pedro Bidarra

    ResponderEliminar