sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Deliciosa descida aos infernos

No século XIX não havia necessidade destas etiquetas, mas este livro inserir-se-ia naquele que o cinema e a banda desenhada já tornaram numa tradição: a da dupla cómica.
Dois companheiros de viagem o mais antagónicos possível. Um é um bufão que usa todos os pretextos para levar o soldado a ceder à tentação. O outro é o justo que continua a acreditar numa bondade que lhe vão provando não existir (excepto em si mesmo).
A dupla eterna e clássica do humor, nascida logo quando se criou a divisão da consciência entre o diabo e o anjo cada um sentado no seu ombro.
Que a dupla percorra o caminho em conjunto aumenta a eficácia do texto, acentua a ironia dos versos contada de forma quase inocente.
E prova que já há séculos atrás haviam inventado as regras do humor que chega até aos dias de hoje, mas fazendo-o com qualidade para perdurar.
Sobretudo pela sapiência empregue nos versos, momentos cómicos de especial envergadura que nunca deixam de ser exactos no seu diagnóstico dos males particulares de cada tema.
A sua precisão é agora a mesma que era então, pois os seus alvos ou merecerão sempre a nossa desconfiança - advogados, políticos... - ou são mesmo eternos - os sete pecados capitais.
O texto é um aviso sobre o destino humano mas não deixaria de lado a hipótese que esta fosse uma invecção à rebeldia - afinal não importa quem se seja ou que se faça, no Inferno se acabará, portanto que se aproveitem as melhores hipóteses que a Terra tem.
Esta viagem pelas condenações do mundo poderia ser descrito como Gil Vicente servindo de guia ao Inferno de Dante.
Um delicioso livro, cujo humor é levado mais adiante pelas ilustrações de Lucy Pepper que acompanham o texto e têm um estilo que fazem lembrar o trabalho de Roland Fiddy.
Poderão bem ser a forma moderna que melhor acompanha o humor de António José da Silva, pois assim que surgem a abrir cada folheto do livro 
Tudo isto escrito, creio que a melhor maneira de dar consciência de como este livro merece ser lido é deixar um exemplo dos epigramas que António José da Silva escreveu.
Escolho aquele que versa sobre os advogados, por nenhuma razão em particular senão o facto de ser muito bom:

Folheai sem descansar
os textos com desprazeres
pois vossos maus procederes
vos fizeram condenar.

Padecei a infernal ira,
pois fazíeis com maldade
ou da mentira verdade,
ou da verdade mentira.


O Diabinho da Mão Furada (António José da Silva)
Guerra & Paz
1ª edição - Novembro de 2010
144 páginas

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