No segundo livro desta saga destacava-se algo que não acrescentava nada ao que pretendia dizer na crítica que então escrevi, mas que agora recupero: as referências cinematográficas que relembravam muitas vezes a origem visual da obra.
Eram detalhes que acrescentavam uma certa dinâmica graças às memórias que evocavam. Memórias de outras formas narrativas que influenciavam o estilo (ou, pelo menos, a sua percepção pelo leitor).
Havia referências directas - a Goldfinger, por exemplo - mas, sobretudo, a combinação de detalhes que davam ideia do que o texto estava a emular - um assistente chamado Ripley ajudava com a autópsia de um ser da Nova Raça que tinha visto uma criatura romper-lhe pelo peito.
Neste terceiro livro essas referências tornam-se tão raras que por pouco não dei apenas com aquela que é directa e relativa a Rebecca de Alfred Hitchcock.
O filme é tenso e assustador, vivendo de uma excelente atmosfera. Pode ter sido aqui incluído como sugestão de como o texto deveria passar a imagem (mas não se sente que isso pudesse ter sucedido).
Mas a escassez desse género de referências evidencia um mal que já referenciara antes, o sempre crescente número de personagens novas acrescentadas à história, protagonistas de eventos intermédios que nunca deixam o leitor desocupado.
Isso impede que chegue a haver personagens centrais sólidas que se possam recordar ou que sejam dadas explicações que se possam saborear por mais dúvidas que levantam. Sobretudo porque o esquema continua sem abrandamentos numa fase em que a história deveria estar em trajectória de conclusão.
O livro é frenético na maneira como não quer deixar o leitor pensar as suas possibilidades - e ver as suas falhas, suponho - o que o torna maníaco no estilo de invenções sucessivas da degeneração que as criaturas de Vitor Helios vão sofrendo no caminho para o seu declínio.
A coerência é muito menos importante para Koontz do que uma tentativa de demonstrar algum do virtuosismo da sua imaginação.
Virtuosismo que se fica pela aparência do que seria possível sem o levar aos seus verdadeiros limites.
Demonstrá-lo é fácil por via de um casal da Nova Raça que ele criou, Janet e Bucky - e são sempre algumas das personagens secundárias que se destacam como provas de imaginação que poderia ter dado origem a uma história melhor e mais focada, como já com Randal e Erika anteriormente. São um casal de assassinos que se desnuda para banhar na carnificina, mas o traço mais interessante da sua personalidade é o facto de terem encontrado para essa execução no (irritante) Dr. Phil a sua motivação mais profunda: estabelecer um conjunto de valores pessoais.
Proibidos de matar senão no momento determinado pelo seu criador, os dois acabam por ser os defensores imorais do livre-arbítrio contra a designação do plano superior. Mas o tipo de questões que essa sua forma de existência poderia levantar perde-se no momento em que se envolvem em confrontos com os detectives da saga.
Mas nem é por aí - já sabíamos que eles estavam condenados e todas as criaturas, à sua maneira, estão a contestar o mestre - que a imaginação de Koontz se mostra superficial.
Koontz diz do casal que mata com um requinte de malvadez gráfica que nem filmes série Z conseguem imitar sem, por uma única vez, tentar dar uma ideia desses métodos.
Só mesmo com Frankenstein é que o autor vai um pouco mais fundo, encorpando um pouco a qualidade de vilão e tornando-o numa figura humana por ligação à obra original.
Claro que, nos interstícios de tudo o que Koontz vai acumulando no livro, sobram poucas páginas para Deucalião (a criatura original) sobressair como anatagonista de Frankenstein tal como merecia, pelo seu domínio da Física Quântica concedido pelo relâmpago que o animou ou pela sua angústia humana perante a origem criminosa dos pedaços do seu corpo.
Não é livro em que a acção possa dar lugar ao pensamento. Precisa de estar sempre a lançar o próximo passo até mesmo na última página, com o cliffhanger para o que seria uma segunda temporada. Segunda temporada a que não aderirei e que precisava de ser cancelada.
Não posso dizer que não estava já preparado para vir a encontrar um resultado final assim... desapontante de falhado... neste trabalho de Dean Koontz. Mas o conhecimento prévio da Criatura e do Criador - sobretudo nas versões de Mary Shelley e James Whale - e a inevitável curiosidade de saber como iria terminar a história fizeram-me ignorar quaisquer pressentimentos que pudesse ter.
Deixei-me levar pelo meu lado humano e pelos interesses pessoais que sustento há muito, mesmo quando desfasados da evolução do gosto. Não creio que seja a última vez, espero apenas que não acabe da mesma maneira.
Frankenstein - Morto e Vivo (Dean Koontz)
Contraponto
1ª edição - Fevereiro de 2012
248 páginas
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