sábado, 26 de maio de 2012

Ponte entre espiões

A leitura de um segundo livro ajuda a sustentar perante os outros as conclusões que já se tiravam com um único título lido.
Essa conclusão, usando um outro meio (mesmo se com origem neste) para a expressar, é a de que Baldacci assimila as duas correntes (de grande público) principais do thriller protagonizado por um herói individual: James Bond e Jason Bourne.
Shaw, o protagonista, é a figura humana em torno da qual o drama se torna motivo para acção, mas é também a peça que age num jogo de conspirações de larga escala.
A tragédia que persegue os interesses românticos de uma figura assim é o que leva, primeiro, a envolver-se na trama. A utilidade que ele pode vir na ter na resolução  de problemas globais é o que leva outros a apoiarem a sua busca por vingança.
Aqui o inimigo tem objectivos egocêntricos de grande monta. Estes afectam nações, mesmo se ao contrariá-los Shaw o faça apenas porque estes o afectaram a ele.
O vilão traduz, também, esse meio termo com o plano maquiavélico a procurar um pragmatismo moderno para o que é o domínio do mundo.
Pela necessidade de vender armas, este vai gerar um problema grave entre nações - Rússia, China e Estados Unidos da América, as potências modernas possíveis - baseado numa estratégia viral.
O seu plano não envolve a guerra, mas a ameaça de guerra, levando assim os países a manterem um arsenal sempre modernizado. A ameaça de guerra permite-lhe vender armas a todos, a guerra poderia levá-lo a ter de escolher uma única facção.
David Baldacci foi muito inteligente a articular temas modernos com o sentimento da época que serviu como o cenário mais frutuoso de thrillers, a Guerra Fria.
O que foi uma verdadeira época de espiões (literários, no sentido aqui pretendido) volta para dar carisma a uma época que se ameaça tornar de lutadores e assassinos.
A temática envolvente ajuda a consubstanciar um livro que se podia perder à medida que as cenas de acção tivessem de funcionar como expressões unidimensionais de drama pessoal.
Sobretudo porque, como já apontara em A Conspiração do Silêncio, Baldacci volta a usar a trama como chamada de atenção para temas que ocupam as páginas de jornais.
A gestão da informação na era da internet, onde a verificação dos dados deixou de ser importante perante a vontade de ser o primeiro, e a consequente gestão da opinião pública, que sempre teve a tendência (agora reforçada) para reagir primeiro e pensar depois, é ponto essencial no arranque do livro e uma realidade que está sempre à vista.
Os alertas voltam-se, igualmente, para a política americana. A dependência que a economia dos EUA tem dos conflitos, sua preparação e suas consequências continua forte demais para que a sociedade global moderna o aceite sem reacção.
Como não aceitará o tratamento de vassalagem que os EUA esperam que se mantenha à medida que perdem influência para a China, sobretudo.
O livro não servirá para leitores que se interessem mais a fundo pelas questões presentes, mas despertará um alerta para os que apenas passam os olhos por cabeçalhos guardando noções periclitantes sobre o mundo actual.
Tudo isto gera uma agradável leitura que tem o mesmo interesse de livros de tempos melhores e um novo interesse dos temas que nos são próximos.

Não posso terminar sem fazer notar a pouca preocupação pelo leitor na forma como vão sendo editados os títulos de David Baldacci protagonizados por Shaw.
Ao ler O Jogo da Verdade acompanha-se uma personagem que já se sabia ter sido assassinada através d'A Conspiração do Silêncio.
Esta maneira de publicar, começando por um volume do meio da série e só depois começando pelo início (quando não é apenas um salto para outro livro fora de ordem) apenas se esse livro desgarrado tiver sucesso, não é novidade no pequeno mercado português.
Leva, por isso, a pensar se vale a pena acompanhar o thriller tal como é editado por cá, sem que o leitor possa ter certeza de que a série seja levada até ao fim ou que não venha a ficar com "buracos" editoriais.
A falta de lógica desta maneira de editar acaba por ficar provada pelo exemplo da "Crónicas de Gelo e Fogo" que apresenta fiabilidade e regularidade na sua edição e tem tido uma resposta condizente do público.
Creio que a desconfiança dos leitores no estado final das sagas editadas por cá os condiciona a não começar a comprar (é uma realidade de que já antes me apercebera com a edição de banda desenhada, por exemplo) o que leva as editoras a concluir que o "livro de teste" que lançaram para o mercado não tem sucesso para justificar a dedicação à saga completa.
Mas, como sempre, os mais entendidos que façam como entenderem...

 
O Jogo da Verdade (David Baldacci)
Clube do Autor
1ª edição - Janeiro de 2012
436 páginas

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