Não costuma ser missão para uma literatura de alcance popular tornar as franjas etárias da população identificáveis com o leitor, pelo que o primeiro chamamento a este livro é essa ambição.
Michael Zadoorian arrisca uma road trip de um casal de protagonistas com quem poucos leitores encontrarão uma identificação directa.
Protagonistas que, pelo contrário, reflectem preocupações que muitos expressam de forma pontual quando confrontados com a degenerescência dos que já viveram por demais.
Não era necessário que o autor tivesse levado ao extremo ambos os protagonistas, Ella com cancro terminal e John com demência progressiva.
Bastaria a normal fragilidade física de uma mulher idosa a lidar com os comportamentos imponderáveis do marido para alcançar o efeito de risco que a viagem tem.
O autor está a lançar a rede para capturar a atenção do máximo número de leitores que viram estas duas doenças afectar a sua família. No mesmo processo acrescenta uma razão mais para dar lugar a situações atribuladas na sua história.
A ambição do autor quanto aos temas a tratar não se fica pelos problemas que debilitam aquelas pessoas, expande-se à decrepidez da América servida pela Route 66.
Confrontam-se as memórias dos tempos em que a viagem por aquela estrada eram mais habituais e da realidade que Ella - a narradora - encontra agora.
Não há uma tentativa de tornar a doença numa metáfora para a América. Decisão acertada num livro que não tem características para tal.
O autor fez bem em retrair a sua ambição, decidindo apenas pela acentuação de como o tempo passou para quem viaja e para o caminho a percorrer, pois não se vê que tivesse o domínio para evitar cair numa prédica sem estilo.
Vida e estrada rimam quando se percebe que há pequenos momentos de felicidade que ainda se elevam, seja um momento de lucidez de John ou o reencontro com uma casa de hambúrgueres de boa memória.
Na demora da viagem o livro vacila. A progressão parece ir de situação complicada em situação complicada. Muitas delas que não são geradas pelo caminho que percorrem.
São situações que poderiam acontecer numa rua dos arredores da sua casa, fazendo crer que a viagem não passa de um artifício para tornar mais apelativo ler sobre este casal em fim de vida.
O livro melhora quando está em viagem. Quando se deixa levar pelos pensamentos de Ella e evita as peripécias das paragens.
Não seriam precisas mais adversidades do que a discrepância entre os resquícios de uma América esperançosa e a visão atormentada pela miséria própria da idade de Ella e John.
Aquilo de que eles vão, de verdade, a caminho é de um desfecho fiel às suas convicções de independência, elas próprias pertencentes a um tempo que vem desaparecendo.
O livro tem o final para o qual trabalhou desde muito cedo, o que o torna bastante óbvio. Trata-se da falha realmente assinalável do livro que, no seu tom continuado de tristeza - mesmo sob os episódios cómicos ou perturbadores - soa sempre a despedida.
O que não impede que seja um livro de um respeito ternurento para com os seus personagens. Algo que consegue transmitir a quem lê.
Para duas pessoas de desígnios simples, uma ambição mais controlada teria sido mais acertada para o autor, domesticando o cenário para projectar a ambição - simples e definitiva - dos personagens que criou.
Uma viagem inesquecível (Michael Zadoorian)
HarperCollins
Sem indicação da edição - Abril de 2018
256 páginas
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