Lugares Escuros é um trabalho fraco em tantos aspectos que custa perceber o que permitiu que fosse publicado. Sobretudo sendo anterior ao livro que foi o sucesso retumbante de Gillian Flynn.
Começa na forma narrativa, dividida entre uma voz no presente, Libby, e duas no passado, a mãe e o irmão.
Flynn quer com o presente mapear o difícil processo de composição de uma vida plena sob o jugo da tragédia enredada na dúvida. Com o passado quer aprofundar a ideia da decomposta dinâmica familiar que deixou marcas em Libby e que pode ter sido a causa dos assassinatos.
Este jogo entre tempos mas, sobretudo, entre pontos de vista é um elemento limitante identificado demasiado tarde.
Cada tempo é uma narrativa independente incapaz de estabelecer a relação de causa e efeito. Ou sequer a relação de suspense.
O passado não é o mistério que se vai revelando do presente, é apenas a narração por uma via diferente daquilo que haveria de estar a ser descoberto em paralelo a Libby.
Os pontos de vista estão desligados entre si por não serem da mesma pessoa e não trazerem revelações à imatura (e não dilacerada) Libby: sobre o que aconteceu e sobre si mesma.
Enredada na teia dos pontos de vista da família Day, Flynn acaba por ter de recorrer à adição de um capítulo isolado narrado por um personagem que até aí não foi mais do que uma referência breve.
A única maneira de o fazer existir para o efeito que serve à autora é esse, o que faz dele mais sortudo do que diversas outras personagens com mais presença mas com o mesmo (ausente) grau de elaboração.
Não há personagem que não seja composta de forma incompleta, limitadas a um estado emocional primário que não justifica os seus comportamentos.
A autora anda à procura desse feminismo em que as mulheres podem ser tão horríveis como os homens. Se consegue igualizar os sexos é porque torna todos em personagens egoístas em seu próprio prejuízo e, talvez no único traço aceitável para a vilania, impetuosos sem reflexão prévia ou posterior.
Surgem para pequenos desvios por caminhos tenebrosos da natureza humana que não têm reflexo na história como um todo, apenas tentar manter questões em aberto sobre a autoria do crime.
Os personagens são irracionais em benefício da trama e não se comportam em função de si mesmos.
Essa trama morosa e pouco chamativa que se vale de uma revelação que promove ainda mais a consciência da arbitrariedade de comportamentos.
Malabarismo de má qualidade para um efeito surpresa de uma categoria que o jargão Inglês bem caracteriza com um she pulled it out of her ass.
Uma solução em modo múltiplo que surge sem que nada mais do que uma referência lhe tenha sido dirigida ao longo do livro.
Fosse tudo isto envolto numa ambiência rica e algo poderia ser diferente, mas algumas intensas descrições que pontuam o livro não compensam a secura com que ela trata a linguagem dos personagens e que torna as suas vozes todas iguais.
No fundo o mergulho nas trevas é alcançado por Gillian Flynn. Apenas não pelo que escreve, pela própria experiência de o ler.
Lugares Escuros (Gillian Flynn)
Bertrand Editora
1ª edição - Outubro de 2013
416 páginas
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